terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Tempo e o Rei



“Jamais me submeterei às horas:
as horas foram feitas para o homem,
e não o homem para as horas”
(François Rabelais)


Mário Quintana escreveu, apropriadamente, em um de seus poemas:

“O tempo é uma invenção da morte
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.”

Sou obrigado a concordar com ele. Os relógios nos aprisionaram. O tempo, de servo, se tornou senhor. Os segundos marcados, a digitalidade objetiva de nossas agendas, o tique-taque nervoso do tempo cartesiano e científico retiraram de nós a poesia e a reverência de olhar para o céu no intuito de saber as horas. Sim, olhar para o céu para reconhecer o compasso da existência. Mesmo os relógios de sol egípcios, e posteriores, precisavam da luz que vinha do céu, do sol, para informar, era um tempo revelado. E, assim, contemplando o sol, a lua e as estrelas não somente éramos avisados com relação ao período do dia, como também, recebíamos referência, tínhamos a exata noção de onde nos encontrávamos e para onde íamos, se para o norte ou para o sul. Sem o tempo-máquina, a vida seguia mais lenta e preguiçosa e o céu nos inspirava, havia descanso. Tínhamos oportunidade para pensar em Deus e reconhecer a beleza da criação, sobrava vida para estar com os amigos, havia ensejo para sonhar olhando para o firmamento. Antes o tempo era aliado da vida, hoje, seu algoz. Antes havia tempo para todo propósito debaixo do céu, hoje já não sobra tempo para viver nada intensamente, as pessoas apenas sobrevivem olhando para o ponteiro de seus cárceres.


O tempo ficou feroz e virou dinheiro. Essa metamorfose demonizou-o, fez dele um verdugo, um carrasco que aniquila as nossas tolas pretensões fraternais, que destrói todas as outras devoções concorrentes e que esmiúça aspirações solidárias. O tempo-função-do-capital se tornou o norte de quase toda atividade secular, profanou aquilo que era sacro, e até mesmo o tempo-lazer transformou-se pela ciranda financeira. Sei que hoje em dia é preciso ter coragem para se livrar desse senhorio. Vejo aqueles que tentam sendo tachados de simplórios e ingênuos, sendo vistos como gente sem fibra ou ambição para entrar no ritmo das caixas registradoras do tempo-rei.


Mas ainda assim é preciso ter coragem para optar pelo eterno e recriar o tempo sob a perspectiva do céu, um tempo sem os limites das opressoras estruturas históricas de um mundo que não sabe amar. Eu luto e quero ter essa bravura e essa brandura no coração de fazer do meu tempo, serviço ao outro, devoção a Deus, celebração de vida; luto e desejo fazer parte de uma resistência acirrada ao fast-food, à proposta de uma existência sem poesia e automatizada. Quero que o meu tempo volte a ser servo da Vida, pois só assim ele se transformará em eternidade.


Roberto Montechiari Werneck

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