terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Não Convencionando

“Estamos enterrados em convenções até ao pescoço: usamos as mesmas palavras, fazemos os mesmos gestos. A poeira entranhada sufoca-nos. Pega-se. Adere. Há dias em que não distingo estes seres da minha própria alma; há dias em que através das máscaras vejo outras fisionomias, e, sob a impassibilidade, dor; há dias em que o céu e o inferno esperam e desesperam. Pressinto uma vida oculta, a questão é fazê-la vir à supuração.”
(Raúl Brandão – Húmus)

Gosto de gente não-convencional, gente que é capaz de dizer as coisas estranhas que normalmente evitamos pensar, gente que se permite ser em desatenção às etiquetas e formalidades, gente que não força as aparências no intuito de ser bem-vinda. Gosto de conviver e observar aqueles indivíduos que parecem estar vivendo em outro plano existencial, no qual as miudezas neuróticas perderam o seu poder, onde o brilho dos elogios tornou-se trevas, onde as idéias ganharam impulso e liberdade, onde poder é pensar.

Contudo, tem sido raro encontrar esse tipo de pessoas em nossos dias, se é que elas ainda existem. De minha parte, ando com o meu binóculo em mãos atento aos pequenos sinais de tal presença. Tenho comigo que elas estão em processo de extinção. Digo isso porque sei que as armas e armadilhas que visam dizimar essa espécie são muitas. Por exemplo, existem miríades de dogmatismos e dogmatistas muito eficazes em silenciar qualquer um que venha a pensar ou defender idéias diferentes daquelas canonicamente organizadas pelas autoridades instituídas. Há aqueles que pensam que somente a religião usa esse tipo de procedimento. Mas estão enganados, já vi , inclusive, muitos professores universitários assumindo posturas dogmáticas em defesa de suas ortodoxias. Já me deparei, também, com líderes políticos, ditos revolucionários e libertadores, silenciando a muitos com suas ameaças, ou mesmo, promessas e ofertas.

Vejo que o mundo tem se tornado pior, exatamente, porque a normatização da vida se tornou um imperativo tão poderoso que muitos, entre eles, os formadores de opinião, seguem uma agenda pré-estabelecida do que pensar e do que é politicamente correto dizer. Estamos construindo cárceres e inviabilizando a reflexão, estamos castrando as mentes e destruindo a diversidade cultural. Mesmo as tribos urbanas, que a muitos chocam com a sua aparência e atitude, sejam punk’s, rastafaris ou skin heads, hoje nada mais são que refúgios de crianças perdidas que desaprenderam a pensar e se intoxicam com discursos prontos e anacronicamente relevantes.

Creio, sinceramente, que ainda seja tempo de estimularmos as mentes à reflexão. Creio que precisamos não somente nos adequar àquilo que é politicamente correto, mas sim entender e pensar as propostas que chegam a nós. Creio que talvez seja tempo de considerarmos as mensagens dos loucos profetas e visionários que nos alertavam sobre o que estamos fazendo com a vida, o mundo e o nosso relacionamento com o próximo e com Deus. Creio que tenhamos que ponderar que a última aparição de Deus no mundo foi revestida da pessoa de um simples carpinteiro que pregava uma estranha mensagem de amor, misericórdia, perdão e humildade, portanto, um Deus não muito convencional.

Roberto Montechiari Werneck

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