quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Vir-a-Ser

Insistimos em prever o futuro. Tentamos sempre olhar através das cortinas do amanhã, vislumbrar o que ainda não é, reconhecer nossa face no porvir. Mas certo é que o futuro virá, e virá tão inesperadamente, tão definitivo, como o dia após a noite, e o nosso vir-a-ser terá as cicatrizes do presente que escolhemos viver. Desta forma, o presente é gênese do futuro e o aqui-e-agora sua matriz.

Portanto, tenho sempre em mente que a melhor maneira de saber a respeito do meu futuro é me dedicando, inteiramente, ao presente. Nele busco entender as determinações que se impõe sobre mim e as oportunidades que se apresentam.

Cheguei à conclusão que ao me dedicar ao presente tenho a possibilidade de me desfazer de fantasmas e medos. O hoje é ocasião mais do que oportuna que tenho para expor as misteriosas entranhas de minha inconsciência. Quando encaro de maneira sensata e corajosa as minhas ações e suas motivações lanço luz sobre as minhas inabilidades ou virtudes, e posso mudar para que o futuro seja um outro tipo de presente.

É no presente que podemos entender os resultados das escolhas feitas anteriormente, pois a vida que vivemos é conseqüência de um ontem que foi presente. O agora é ocasião para profundas reavaliações. Entender o momento que estamos vivendo, suas determinações e regras nos possibilitam questionar e romper com as imposições da existência. Já encontrei pessoas que dizem não entender o sofrimento pelo qual estão passando, clamam a Deus para superá-los, mas se parassem um pouco para perceber a maneira como lidam com a vida e os outros, teriam condições de amenizar muito do sofrimento experimentado. A minha vida é conseqüência de mim e entender o meu presente é um passo significativo para alterar o futuro mediato ou imediato.

Tenha em mente que o presente é sempre oportunidade de mudança de rumo, é nele que desafiamos nossos medos e assumimos novas posturas, mas também, é nele que insistimos em continuar as rotinas que produzem os males que nos circundam e afetam.

O passado é aquilo que lembro, o presente é ação e o futuro conseqüência.

Roberto Montechiari Werneck

Sentimentos Perturbados

No romance de Rousseau A Nova Heloísa, o jovem herói, Saint-Preux, escrevendo para sua amada diz: “De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e qual meu lugar.” O redemoinho moderno não se faz diferente na pós-modernidade. Muitos atrativos superficiais, inebriantes, voláteis, mas nada que de fato toque o coração. Tenho pra mim que aquilo que toca o coração nos faz pensar, todavia creio que a máquina compressora do mercado, da mídia, não nos quer seres pensantes. Assim, nos anestesia com os grandes espetáculos, com as grandes catástrofes, com as pulsações de um ritmo alucinado de compromissos e de novas necessidades que nos faz olhar sempre para fora, mas nunca para dentro do próprio coração.

De fato hoje não sabemos quem somos nem mesmo qual é o nosso lugar. Estamos esquecidos, perturbados, sentimentos confusos e uma profunda ansiedade que não nos permite sequer vivenciar o momento presente e o sabor da vida. Somos colocados numa postura de expectadores, na esperança de algo novo nos seja apresentado e que promova uma nova onda de sensações e euforia. Estamos ansiosos por, a todo instante, impressionar os outros e mostrar que existimos. Desta forma, não temos tempo para estar apenas com alguém, com uma pessoa de cada vez, num tempo precioso de carinho e atenção. Estamos sendo roubados em nossa identidade e convivência.

Tenho muita vontade de estar com gente, gente que me ajude a pensar, que me leve a crescer, pessoas diante das quais não tenha que ficar provando nada, nem mesmo, fingindo alegrias e virtudes. Quando penso nisso, percebo que esse tempo tem uma textura diferente. Sinto uma existência mais saborosa, que escorre lentamente, como que se fosse um final de tarde no qual sopra um vento macio e fresco, onde há uma mesa branca, sorrisos espalhados pelo ar, um cheiro de café silencioso e o aconchego de olhares pacientes. Nada há antes, ou depois.

Eu tenho buscado algo que toque meu coração profundamente. Na verdade, em poucos momentos isso aconteceu em minha vida, mas sei que foram estes momentos que me fizeram perceber que existo. Creio que são estas experiências e relacionamentos que formam o melhor que uma pessoa pode ser. De fato, ainda não sou uma boa pessoa, mas, sinceramente, desejo ser um homem melhor.

Roberto Montechiari Werneck

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

A Vida e a Morte

Roberto Montechiari Werneck

Para mim a vida é algo fora dos padrões. Tudo que existe é espantoso, a própria consciência, um mistério. Ao olhar um ornitorrinco, ou, ao ouvir e dizer que entendo a voz humana fico surpreso; as cores e bico de um tucano, ou mesmo, as ondas do mar e as tonalidades de um final de tarde me encantam.

Na minha precariedade reflexiva o que sei é que a efervescência das manifestações da existência se recriam e florescem na multiplicidade, na diferença e sempre vazam por nossa pretensa compreensão. Há aqueles que pensam que quanto mais de perto olharem o mundo, mais a entenderão. A própria ciência tomou para si lentes e ouvidos possantes, super-poderosos, porém, quanto mais vasculha as entranhas das coisas, mais incompreensível se mostra a materialidade e mais enigmas surgem.

A morte é padronizada. De fato, nada me parece mais com ela do que a linearidade brasílica, a estandardização dos comportamentos, a estagnação dos discursos politicamente corretos, as linhas de montagem, os ambientes institucionais higienizados. Vejo-a estampada nos ternos e protocolos dos homens sérios, na fileira dos bancos de um templo, nas carteiras alinhadas das escolas. A morte controla, amarra, imobiliza. A vida, porém, expande, se diversifica, é movimento. Por essa razão, encanto-me com a existência que é essa imprevisibilidade, com a vida que é esse fortuito encontro de variáveis contingenciais, abundância, profusão. Vê-la assim é um presente, uma cura que acontece nos olhos.

Todavia, o problema é que a morte, que usa o nome de normalidade, alcançou as perspectivas e impregnou o mundo com as filas, com os enlatados, com a obsessão pelo lucro. Poucos são aqueles que pensam em ganhos que diferem do dinheiro. O reforço é generalizado, as pessoas trabalham não para ser, mas para ter. E naquilo que possuem, se tornam.

Na verdade, eu escrevo este texto para me lembrar que quero a vida. Sim, para me lembrar, pois o esquecimento das coisas importantes é um fato ao qual sou acometido quase todo dia. Preciso me sacudir e resistir ao sono da morte, dizendo a mim mesmo que a vida é movimento. Anseio por romper a tampa dos meus caixões. E além daquilo que é imanente quero transcender. Por que hoje sei que a vida continua, mesmo quando a morte parece ter vencido.