quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Sentimentos Perturbados

No romance de Rousseau A Nova Heloísa, o jovem herói, Saint-Preux, escrevendo para sua amada diz: “De todas as coisas que me atraem, nenhuma toca o meu coração, embora todas juntas perturbem meus sentimentos, de modo a fazer que eu esqueça o que sou e qual meu lugar.” O redemoinho moderno não se faz diferente na pós-modernidade. Muitos atrativos superficiais, inebriantes, voláteis, mas nada que de fato toque o coração. Tenho pra mim que aquilo que toca o coração nos faz pensar, todavia creio que a máquina compressora do mercado, da mídia, não nos quer seres pensantes. Assim, nos anestesia com os grandes espetáculos, com as grandes catástrofes, com as pulsações de um ritmo alucinado de compromissos e de novas necessidades que nos faz olhar sempre para fora, mas nunca para dentro do próprio coração.

De fato hoje não sabemos quem somos nem mesmo qual é o nosso lugar. Estamos esquecidos, perturbados, sentimentos confusos e uma profunda ansiedade que não nos permite sequer vivenciar o momento presente e o sabor da vida. Somos colocados numa postura de expectadores, na esperança de algo novo nos seja apresentado e que promova uma nova onda de sensações e euforia. Estamos ansiosos por, a todo instante, impressionar os outros e mostrar que existimos. Desta forma, não temos tempo para estar apenas com alguém, com uma pessoa de cada vez, num tempo precioso de carinho e atenção. Estamos sendo roubados em nossa identidade e convivência.

Tenho muita vontade de estar com gente, gente que me ajude a pensar, que me leve a crescer, pessoas diante das quais não tenha que ficar provando nada, nem mesmo, fingindo alegrias e virtudes. Quando penso nisso, percebo que esse tempo tem uma textura diferente. Sinto uma existência mais saborosa, que escorre lentamente, como que se fosse um final de tarde no qual sopra um vento macio e fresco, onde há uma mesa branca, sorrisos espalhados pelo ar, um cheiro de café silencioso e o aconchego de olhares pacientes. Nada há antes, ou depois.

Eu tenho buscado algo que toque meu coração profundamente. Na verdade, em poucos momentos isso aconteceu em minha vida, mas sei que foram estes momentos que me fizeram perceber que existo. Creio que são estas experiências e relacionamentos que formam o melhor que uma pessoa pode ser. De fato, ainda não sou uma boa pessoa, mas, sinceramente, desejo ser um homem melhor.

Roberto Montechiari Werneck

2 comentários:

s a u l o t a v e i r a disse...

Há poucas horas escrevi um texto um pouco relacionado a isso - "impressionar os outros e mostrar que existimos". Essa necessidade/carência por aprovação, percepção, afeto, amor incondicional e, talvez o bem de maior escassez atualmente, o tempo; é, o tempo do outro. Sinto a mesma falta de sentar com gente, verdadeiramente humana, sem pressa, pressão, re/a-provação, e deslizar sobre idéias, palavras, risos fáceis, questões difíceis, verdade, o outro.

Feliz por ao menos ter minha linda tia Telma e Marcio comigo, sentados, horas a fio a conversar sobre tudo. Não há riqueza maior e nem melhor forma de viver o presente.

Bjus.

ANGELICA LINS disse...

Que texto bonito. Desagua sentimento nas letras.Agrada-me essa transparência e intensidade.
Estarei por aqui.
Abraço!