quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Perguntas

“O sábio não é o homem que fornece as verdadeiras respostas; é quem faz as verdadeiras perguntas”.
Claude Lévi-Strauss – "O Cru e o Cozido"


Uma pergunta que carrego na superfície de minha consciência, ou no mais profundo recôndito de meu ser, diz respeito à minha identidade. Quero saber de fato quem sou e qual é o sentido daquilo que faço no contexto maior da existência.

De certa forma, a religião e a filosofia fizeram desta questão um dos pontos cruciais de suas reflexões. A religião procurou respondê-la com a autoridade da voz divina, trazendo uma definitiva e inquestionável palavra à dúvida humana. A filosofia, por sua vez, propôs o caminho que buscava uma resposta na natureza, por meio da observação e reflexão, a sua resposta seria produto da razão humana e não estaria baseada na cardealidade da soberania de qualquer divindade. Seguindo a trilha da filosofia, a ciência, mais especificamente a ciência positivista, surge trazendo a sugestão de observar, refletir, mas além da lógica e razão, buscou construir suas respostas a partir de uma postura empírica, rejeitando tanto a fé como a intuição como base de sua gnosiologia.

Ciência, filosofia e religião não são em si excludentes, mas somente respostas diferentes para uma mesma questão. De minha parte, amo o conhecimento seja ele fruto da revelação religiosa, das reflexões filosóficas, ou mesmo, da experimentação científica. Tenho em mim que conhecer é poder reconhecer a própria face na verdade manifesta. Conhecer o mundo e encontrar verdades e princípios me ajudam a saber quem, de fato, sou.

Essa busca que começou como um pergunta infantil hoje se estende à minhas considerações adultas. Quero saber quem sou, quero entender os motivos que subjazem às minhas atitudes, preciso encontrar sentido e compreender as conseqüências que almejo quando me comporto como me comporto. Além disso, desejo saber sobre o que vem em seguida, sobre o além, sobre o que vem depois que todas as perguntas forem feitas e acabarem-se todos os discursos.

Roberto Montechiari Werneck

O Efêmero Perene


“Os nossos atos só aparentemente são efêmeros. Por vezes, as suas repercussões perduram por séculos. A vida do presente tece a do futuro”
G. Bona

Tudo que existe perece, expira. Existir é em si uma passagem, um momento que sucede outro, existir é a realidade do provisório. A própria etimologia do termo existir (do latim ex sister) significa: sair de um lugar para outro. Tem, portanto em si, a marca da mudança e a propõe. Desta forma, Reconhecer o efêmero como algo inalienável à existência é afirmar que passamos, que existimos por um pouco e, logo a seguir, não mais estamos. A nossa existência, por ser existência, reconhece o fato.

A questão é: se reconhecemos essa realidade, por que nos agarramos às coisas e manias? Porque nos enclausuramos a rotinas como que se assim pudéssemos eternizar aquilo que é fugaz? Por que nos esforçamos em atualizar aquilo que passou e reeditar o que não mais é? Provavelmente, muitas sejam as respostas, porém, todas de uma maneira ou de outra, associadas ao medo. Tememos seguir adiante rumo ao desconhecido; tememos os rompimentos e a nova vida que irá suceder; tememos e tememos e a existência que deveria ser um vapor que existe por um momento, deixa de ser tocada pelo vento e não flui, vira gás venenoso enclausurado nos recipientes vedados e seguros.

Fico imaginando pessoas que não temem ser existência, que se permitem, simplesmente, acontecer. E essa seria a sua beleza, e essa seria a sua herança e dádiva ao mundo. Demonstrar a vida nesse planeta como trânsito, sem contudo, menosprezá-la ou dizê-la menor, muito ao contrário, falar dela como intensidade temporária e, paradoxalmente, aprazível. Ela assim seria um gozo que, por momentâneo que fosse, iluminaria o caminho para a perenidade . A existência que assim o fosse, nesse caso, poderia ser identificada com a continuidade do provisório, aquele que existe e na existência encontra-se consigo e se identifica, permanece e não se perde de si.

Roberto Montechiari Werneck

As Leis e o Amor



“Quando alguém compreende que é contrário à sua dignidade de homem obedecer a leis injustas, nenhuma tirania pode escravizá-lo.”
Mohandas Gandhi


As leis são o reflexo de uma sociedade. Elas mostram o grau de desenvolvimento ou estagnação de um país ou comunidade. Quanto mais leis, quanto mais rígidas e autoritárias, mais evidente fica a inabilidade das pessoas de se comportarem e interagirem umas com as outras. Pode parecer um contra-censo o que vou dizer, mas chego à conclusão de que quanto mais leis, menos civilidade; quanto mais leis, mais notório o nível de subdesenvolvimento de um povo. Entendo as regras como cabresto a cercear os impulsos instintivos que ainda estão latentes, que não foram compreendidos ou mesmo resolvidos. Sem elas muitas pessoas não saberiam se respeitar e se prejudicariam mutuamente em um ambiente de caos e desordem. Sem as rígidas e múltiplas regras esse tipo de sociedade sofreria uma completa desestruturação.

Mas as leis também servem para dar consciência. Somente a partir do momento que eu me deparo com uma regra e não consigo cumpri-la, ou mesmo, decido transgredi-la, é que vejo quem realmente sou e quais são as minhas limitações e inclinações. As regras sempre carregam em si este fator de perversão, elas estão ali como denúncia de que não serei competente o suficiente para observá-las. Pois, quem é que poderia dizer, em sã consciência e verdadeiramente, que é cumpridor de todas as leis estabelecidas em todos os níveis e contextos de sua convivência social. As leis são, portanto, um exercício constante de reconhecimento.
Entender essa realidade é afirmar que as regras sempre serão ineficazes para efetivar definitivamente a ordem e promoverem o bem. Elas no máximo evitam algum mal, pois estão centradas em preveni-lo e são, normalmente, negativas em sua essência. O “não” é a sua peculiar característica e a punição sua especificidade.

Falar sobre as leis é chegar à conclusão de sua necessidade, em maior ou menor grau, no mundo que vivemos. Como seres humanos somos este misto de dignidade e desonra e o mundo e as estruturas que construímos são nossa imagem e semelhança.

Creio que a única alternativa para a desregulamentação e desinstitucionalização do mundo seja a prática do amor. Digo isso porque os procedimentos, comportamentos e valores que ele traz em si tem a marca do fazer em benefício do outro sem que seja isso uma negociação ou espera. Assim, o amor identificado como ágape é a ação que se satisfaz com o bem do outro. Desta forma, as atitudes, escolhas e sentimentos envolvidos por sua aura são a busca do bem sem a mediação ou imposição de uma estrutura ou instituição que regule as relações. Quanto mais amor, mais civilidade, maior desenvolvimento, maior atenção e atendimento às necessidades humanas, menos regras.

Roberto Montechiari Werneck

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Memória Boa



“Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana”.
Marguerite Yourcenar


Existem pessoas que marcam nossas vidas. Umas causam boas impressões, deixam suaves lembranças, muitas saudades; outras, ao contrário, deixam profundos estigmas negativos, nos selam com infelicidade, carimbando nossas almas com vestígios de sombra.

Graciliano Ramos, em seu livro Infância, desvela as memórias de sua meninice. Suas impressões descortinam uma história triste onde a solidão e o despotismo se fizeram presentes na relação do menino Graciliano e o mundo adulto. As suas memórias fizeram dele um homem descrente da humanidade, alguém que olhava o mundo com desconfiança. Este sentimento invade sua obra, se mostra na confecção de suas histórias e personagens.

Tendo em vista a história de Graciliano, posso perceber que há pessoas que durante suas existências tiveram a triste experiência de se relacionarem com pessoas difíceis. Sofreram o desrespeito e a violência, padeceram ingratidões e abusos e, por fim, o que são capazes de realizar vem a ser, simplesmente, o resultado desse mundo perverso.

No entanto, encontramos um tom diferente nas memórias do apóstolo Paulo, no que se refere às suas lembranças. Na Bíblia, em sua carta à igreja de Filipos, ele manifesta o gozo que sentia ao se lembrar dos irmãos, dos momentos, dos sorrisos nos lábios amigos, dos sonhos do Reino compartilhados. Quando revivia suas lembranças era envolvido por um tal sentimento de paz e saudade que o que podia fazer era agradecer a Deus por causa daqueles irmãos, por causa daqueles rostos amistosos que lhe saltavam à mente. Assim o apóstolo orava por eles, porque os retinha em seu coração.

Paulo nos diz, em sua carta aos Filipenses, que há gente boa no mundo, que é possível ter uma vida feliz se relacionando e vivendo em um mundo imperfeito. Vale ressaltar que aqueles que são alvo da consideração e aceitação alheias, que são tocados pelo amor e afeto, carregam em si uma vida diferente, uma postura de fé, um visão melhor sobre o futuro.

É então oportuno refletir sobre o que temos feito com a nossa história, com os momentos em que estamos juntos; precisamos pensar sobre quais as marcas que temos deixado impressas no coração dos nossos familiares e irmãos. Somos os pesadelos que sobressaltam as noites do menino Graciliano, ou o gosto sereno e feliz acalentado nas memórias de Paulo?

É possível marcar as pessoas que se encontram conosco com o nosso melhor. Podemos ser memória boa, edificante, que levam àqueles que amamos a dar graças a Deus por nos terem conhecido, por terem estado ao nosso lado, por terem ouvido a nossa voz e vivido um pouco da nossa história.

É possível!!!

Roberto Montechiari Werneck

Graça sobre Graça



“Curai os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios: de graça recebestes, de graça dai.”
Mateus 10:8

Estou sofrendo de beleza. Algo aconteceu com meus olhos. Não sei se foi de repente ou se foi acontecendo devagar, somente sei que hoje há certo maravilhamento poético em minha percepção do mundo. Inclusive, gosto de pensar que tudo que existe resulta de amor e cuidado, que a natureza ao meu redor transpira propósitos. Sinto-me, mesmo, extasiado ao perceber as cores do mundo, os sons próximos, os sabores convidativos, os cheiros magníficos, os sentidos e tramas da existência. Creio que há muita coisa neste nosso pequeno planeta e no universo para nos encantar e fazer de nossas vidas uma experiência única e surpreendente.

Por essa razão, insisto em chamar a atenção das pessoas para a graça. Verdade é que a graça é uma forma de enxergar o mundo. Por exemplo, encontro pessoas que mesmo diante de um milagre encontram razões para ficarem descontentes e infelizes. Nada para elas expressa bondade ou beleza, muito ao contrário, o mundo é uma série de desventuras e armadilhas que resultam de um caos total. Entretanto, para mim, os pequenos detalhes da natureza e os percursos de minha vida me fazem crer que há um artista por trás de tudo o que existe e acontece. Concordo com Einstein quando ele diz que só há duas maneiras de se posicionar diante da existência, ou cremos que tudo é milagre ou que nada é milagroso, assim, fiz a escolha de olhar a vida como expressão da graça e insistir para que as pessoas a percebam.

Além disso, persevero também em manifestar graça às pessoas. Nesse sentido, graça é uma forma de se posicionar diante do mundo. Entendo que há carência de amor e perdão em nosso planeta. Vejo, normalmente, as pessoas submetidas em seus relacionamentos a um desgastante processo reativo. Sofrem e fazem com que outros padeçam dos males que experimentaram. Reproduzem assim a violência e sofrimento ao qual foram submetidos. Volto a afirmar, nosso mundo precisa de graça, de perdão, de misericórdia, de amor e eu creio que posso ser um instrumento e ajo no sentido de possibilitar que as pessoas possam ter essas experiências em suas vidas.

Hoje mais do que nunca dependo da graça. Graça é tudo que preciso para viver. Digo isso, porque se não fosse o sentimento e a certeza de ter sido perdoado, não poderia seguir com a minha vida. Deus me perdoou, pessoas me perdoaram em meus erros e, sabendo quem eu sou, ainda vou precisar de todo o perdão disponível e compreensão de Deus e das pessoas para poder continuar. Fico feliz por não ter sido tratado segundo os meus méritos, fico feliz por ter recebido muito mais que merecia, fico feliz por poder seguir debaixo da graça.

Roberto Montechiari Werneck

Tolerância e Respeito



“A lei de ouro do comportamento é a tolerância mútua, já que nunca pensaremos todos da mesma maneira, já que nunca veremos senão uma parte da verdade e sob ângulos diversos.”
Mohandas Gandhi


O poeta e escritor William Blake afirmou que como a cristandade e o céu tinham seus escritos, o inferno também possuía os seus e, segundo ele, um deles dizia: “O corvo queria tudo negro; tudo branco, a coruja”. Mesmo sendo, como ele disse, uma citação de origem infernal, não deixa de ser pertinente. Seja o provérbio uma simples constatação ou crítica à realidade demoníaca e humana, certo é que muitas pessoas vivem assim em nossos dias. A intransigência e o hábito de impor ao outro o querer pessoal como única alternativa viável e possível tem feito com que a história seja uma repetição constante de mazelas, atrocidades e infortúnios, fazendo do mundo um lugar inóspito e difícil, um ambiente, definitivamente, desconfortável para se viver.

Sei que em alguns momentos é muito difícil, ou mesmo, impossível, nos desfazermos de nossos desejos. Entendo também que o querer pessoal é uma realidade e, simplesmente, negá-lo não é um caminho muito saudável. Porém, fazer dele um imperativo que desconsidera a vontade alheia, com certeza, não é uma atitude benéfica. Sou levado a perceber que, se desejamos viver dias melhores, precisamos considerar a possibilidade de sermos mais tolerantes, ou mesmos, mais predispostos a negociar desejos e posições em circunstâncias em que nossas vontades se contrapõe ao querer alheio.

Para tanto, creio que é preciso antes de tudo estabelecer uma comunicação eficiente em que as partes se disponham a procurar entender a perspectiva do outro. A isso podemos chamar de comportamento empático, no qual um indivíduo se coloca no lugar do próximo procurando entender a situação sob a sua perspectiva. Vale ressaltar, que a empatia só pode ser desenvolvida por pessoas humildes, pois disponibilizar-se a sair do lugar de autoridade dado pela perspectiva única para ver a circunstância sob o olhar da outra pessoa requer humildade; e por pessoas curiosas e criativas, aquelas que alimentam o desejo de crescer e compreender a vida sob novas formas.

Em alguns momentos, ao agirmos de maneira tolerante e empática, seremos surpreendidos pelo desejo de mudança, porque iremos perceber que a noção e visão do outro é, pelo menos, mais interessante e realista que a nossa. Em outros momentos, confirmaremos nossa posição e, por causa de nossas atitudes, conduziremos as pessoas a uma mudança de postura. Mas, pode ser que nem eu e nem o outro sejamos convencidos pela lógica e argumentos usados e, mesmo assim, será possível haver uma convivência respeitosa e cordial. Pode ser que a coruja continue desejando que tudo seja branco e, o corvo, que tudo seja negro, mas ambos entenderão que os limites de seus desejos terminam quando o direito do outro começa a se estabelecer.

Roberto Montechiari Werneck

A Verdade em Amor



“As verdades descobertas pela inteligência são estéreis. Apenas o coração é capaz de fecundar os seus sonhos.”
Anatole France

Um dos temas que sempre me fascinou e ao qual retorno, regularmente, é a verdade. Pensando a respeito cheguei à conclusão que ela somente como informação ou conhecimento objetivo da realidade não pode libertar ou trazer vida. Muito ao contrário, a verdade sem amor e misericórdia se torna uma das mais terríveis prisões e gera morte.

Há um texto nas Escrituras que pode ilustrar de maneira singular a minha compreensão. Ele fala sobre a mulher que foi flagrada em adultério. No contexto encontramos os fariseus e os doutores da lei conduzindo-a a Jesus para que ele desse o Seu parecer sobre a situação. O intuito deles, no entanto, era de causar-lhe algum tipo embaraço perante a lei. Pois esta dizia que se uma mulher fosse pega em adultério, deveria ser apedrejada, e eles bem conheciam a compaixão de Cristo pelas pessoas. Se observarmos a realidade de maneira crua e prática, os fariseus e os doutores da lei não falavam nenhuma mentira e expunham uma situação real. A verdade exposta por eles, todavia, tinha como motivação a manutenção do poder religioso e se valia do juízo e punição para se estabelecer. Mas Jesus conduziu-os a uma análise mais profunda ao propor-lhes que aquele que não tivesse pecados deveria atirar a primeira pedra. A palavra dita por Cristo levou-os a uma avaliação pessoal e à percepção de uma verdade mais ampla e essencial, que não estava baseada na objetividade ou limitação de uma regra, mas na existência e valor de um ser humano. A verdade dos fariseus não era diferente da verdade dita por Jesus, mas faltava a eles afeição no manuseio da mesma. A verdade em Jesus, muito ao contrário, era expressão de amor.

Entendo, assim, que sem misericórdia a verdade, normalmente, conduz as pessoas ao juízo, à morte e a algum tipo de inferno. Mas quando ela é expressão de amor e compaixão, quando é acompanhada do perdão e da graça, ela tem o poder de libertar e conduzir ao céu. Em Cristo encontro a verdade em sua plenitude, pois Nele, ela é verdade viva e relacional a qual conduz aquele que por ela é alcançado à libertação, “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32).

Reconhecer essa realidade me leva a considerar que ser verdadeiro é, antes de tudo, se revestir de amor e usar as informações, o conhecimento e a realidade em benefício das pessoas, é usar a luz para gerar vida, libertar os homens de suas amarras e desgraças. Verdades que aprisionam em culpa e angústia e que não propõem um novo caminho a seguir, sinceramente, não me interessam.

Roberto Montechiari Werneck

Perdas e Ganhos



“Pois que aproveitaria ao homem ganhar todo o mundo e perder a sua alma?”
Marcos 8:36

Perdas são uma realidade na vida de qualquer ser humano. Elas enfatizam a subtração involuntária que acontece, ou seja, a perda não é um abrir mão consciente, muito ao contrário, é sempre o sofrer um prejuízo.

Já perdi muitas coisas e, também, por descuido meu, perdi pessoas, relacionamentos, deixei de desfrutar de ocasiões especiais com gente que amo. Porém, estas e outras perdas só foram notadas quando ao vasculhar minhas memórias, ao reler minha história, percebi que algo precioso faltava.

Verdade é que, por causa disso, me tornei uma pessoa mais atenta, mais solícita. Sendo capaz de entender quando estou deixando de cuidar daquilo que me é valioso. Com as perdas aprendi a também discernir o supérfluo do essencial, o urgente daquilo que é prioritário. Pois, muitas vezes, me vi atendendo urgências neuróticas sem qualquer significado real ou mesmo importância e deixando as verdadeiras prioridades de minha vida de lado. Agora tenho sempre em mente que aquilo que é raro pode ser perdido e, por esta razão, sou levado a apreciar a sua excelência e importância, assim concordo com G. K. Chesterton quando disse que “a maneira de apreciarmos uma coisa é dizermos a nós próprios que a podemos perder”.

Tendo em vista as perdas sofridas, hoje em dia sou capaz de dizer não para as vítimas auto-piedosas e a encontrar espaço para que os verdadeiros amigos e pessoas amadas pudessem ter tempo para estar comigo e eu com elas. Amigos são uma das coisas mais preciosas que temos nessa vida, cuidar de uma amizade é tarefa das mais importantes que podemos empreender. Mas também, fazer de inimigos, amigos, é dos investimentos, o melhor. Não nascemos amigos de ninguém, construímos amizades em função de nosso investimento pessoal em um relacionamento e os perdemos quando os negligenciamos.

Tenho consciência que o tempo de minha vida é escasso, pouco, diante do muito que há para viver. Mas, além disso, sei que perdi muito tempo com rotinas e hábitos que não agregaram qualquer valor à minha existência. Quando olho para o tempo que passou, percebo que gastei tempo demais falando mal das pessoas e construindo uma imagem mentirosa no intuito de impressioná-las; gastei muito tempo polindo meu ego, assistindo porcarias na TV, ouvindo discursos soberbos e cheios de vaidade e, assim, por diante. Hoje, escolhi ser um mordomo fiel do meu tempo, rever meus hábitos e rotinas no intuito de viver de maneira mais intensa e conscienciosa os meus dias.

Mas, o bem mais precioso que possuo é a minha alma e não quero perdê-la. Perdê-la significa negligenciar Deus e Sua vontade; perdê-la significa viver imaginando que somente a existência terrena é a total existência para o ser. Anseio por Deus, pois Ele é quem me dá vida e, definitivamente, é Ele quem a emprenha de valor e significado. Não ter um relacionamento com o Senhor é a mesma coisa que perder a alma e ser imerso no inferno, que é, literalmente, a total ausência de Deus.

Perder não é uma escolha, mas cuidar, sim e, se cuido, evito a perda. Hoje zelo por minhas amizades e me esforço por fazer de inimigos, grandes amigos; esmero-me em investir meu tempo naquilo que trará o bem para os outros e crescimento para mim; dedico-me a Deus, pois Ele, e somente Ele, é de todos os meus tesouros, o mais valioso.

Roberto Montechiari Werneck

A Bênção de Crer



“E Jesus disse-lhe: Se tu podes crer, tudo é possível ao que crê.”
Marcos 9:23


A cada dia encontro um número cada vez maior de pessoas descrentes. Vale ressaltar que essa descrença generalizada não diz respeito somente à incredulidade relativa às questões religiosas e sobrenaturais. Muito além disso, hoje há um grande número de pessoas que estão céticas em relação a tudo e a todos. Gente sofrida que em função de suas múltiplas frustrações deixou de crer no bem e na possibilidade dele acontecer na existência.


Reconhecendo essa realidade epidêmica, e, mesmo sendo alguém que colheu significativos fracassos e frustrações na vida, continuo sendo uma pessoa que insiste em crer. Na verdade, eu preciso crer e ter esperança. Preciso crer no bem, preciso crer em um hoje cheio de possibilidades e em um amanhã melhor. Preciso, porque se vier a deixar a minha fé sucumbir, a vida não poderia ser mais definida como vida.

A despeito de todo mal e injustiça que vejo ao meu redor, continuo crendo que as pessoas podem mudar e encontrar um caminho melhor para viver. Sei que existem muitos empecilhos e gente determinada a minar o processo de mudança necessário à melhora de vida, gente que ganha com o sofrimento alheio. Entretanto, tenho certeza que o mal será suplantado pelo bem e que um sincero desejo de mudança tem ao seu lado o respaldo e auxílio dos céus.

Não me deixei ficar cético, sou um crente que definitivamente crê que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. Em função disso, nenhuma perda, nenhuma agressão, nenhuma violência contra mim pode justificar a perda da minha fé. Crer é o melhor que pode acontecer a uma pessoa e crer que o próprio Deus é o seu cuidador é a maior de todas as bênçãos.

Insisto em crer e afirmar que podemos mudar o mundo para melhor. Sei que a fé que vale a pena ser declarada é aquela que me tira do lugar do conformismo para me lançar à ação transformadora. Creio em dias melhores e, porque creio, é que me lanço para empreendê-los. O crer verdadeiro é uma iniciativa que não se deixa anestesiar pelas convenções do possível. Assim, quando creio em uma vida melhor, me disponho a efetivá-la em meus relacionamentos e encontros.

Creio que Deus não está restrito, que Deus continua sendo Deus e não se deixou apequenar com o tempo, nem é do tempo escravo. Saber disso, a partir da compreensão de minha fé, é entender que vou experimentar grandes e novas surpresas na minha história. Crer nesse grandioso Deus é saber que ainda estou apenas esbarrando de leve na superfície dos mistérios divinos e das possibilidades da existência.

Creio que a vida é maior que a morte e que o amor, do ódio é vencedor. Sei disso, porque já vi pequenas porções de vida e amor transformando poderosamente corações empedernidos, relacionamentos desgastados, curando feridas profundas. Sei disso, por causa de um homem que, por amor, morreu em uma cruz e da morte, se fez vencedor.

Roberto Montechiari Werneck

O livro e a folha vazia



“Só fazemos bem aquilo de que gostamos. (...) De que serve a aplicação onde é preciso a inspiração?”
Sidonie Colette



Sobre uma mesa estava posta uma folha em branco, vazia e logo ao seu lado um livro famoso, um bestseller. A folha tinha um ar de tristeza e melancolia, sentindo-se desprezada e oca. O livro, ao contrário, possuía um aspecto sereno e uma expressão de realização.
A folha após contemplar as condições do livro e perceber que havia sido muito manuseado e que estava com uma aparência desgastada, porém feliz, indagou-lhe:

- Senhor livro, como poderei ser eu um dia uma obra que possa despertar o interesse das pessoas e proporcionar-lhes muitas emoções.

O livro então continuando com o seu ar sereno e afável, fala à página vazia:

- Cara folha, um livro só é escrito quando a folha branca se deixa preencher pelas letras de hábil escritor.

Por muitas vezes, temos a nítida impressão que a escrita dos nossos dias culminou em uma página vazia e desinteressante. Olhamos ao redor e podemos observar os grandes vultos em seus grandes feitos compondo a história da humanidade com as suas próprias histórias. Fica então em nosso coração o desejo e o anseio de fazer de nossos dias uma narrativa relevante que venha inspirar outros.

Se almejamos construir estes dias, devemos entender e assumir o conceito que afirma que ser é deixar de ser. Sempre há na vida das pessoas que nos inspiram profundas marcas de renúncia. Jesus nos ensinou esta verdade quando afirmou que: “Quem achar a sua vida perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim achá-la-á” (Mat. 10:39). È necessário ter coragem para renunciar e, ao se ter esta coragem, carimbamos o nosso próximo com a consideração de que os seus próprios caminhos podem ser diferentes, que há possibilidades.

Assim, ser é arriscar-se. A vida é composta de escolhas e de posicionamentos. Afirmar esta verdade é reconhecer os ganhos e as perdas do cotidiano. No momento que optamos por alguma coisa, precisamos renunciar outras; no instante em que nos posicionamos ficamos em exposição e somos alvos de críticas ou elogios. Tornar-se um bestseller é deixar de ser uma folha vazia.

È importante saber que o Senhor deseja escrever em nossos dias histórias significativas, Ele quer compor a narrativa da humanidade com a biografia dos Seus servos. Portanto, devemos ter a coragem necessária para renunciar o vazio de uma vida que não tem em si as palavras de Deus, precisamos colocar nossas cabeças à prêmio por Cristo Jesus. Desta forma, com certeza, seremos bestsellers, vidas cheias de emoção e de amor que são capazes de inspirar o mundo.

Roberto Montechiari Werneck

Allegro



“Ao qual, não o havendo visto, amais; no qual, não o vendo agora, mas crendo, vos alegrais com gozo inefável e glorioso;”
1 Pedro 1:8


Alegro ou Allegro é uma palavra italiana que significa “alegre”. Ela designa, musicalmente, um andamento leve e ligeiro, mais rápido que o alegreto e mais lento que o presto. A teoria musical, ao nomear este ritmo rápido e animado de alegro, cria uma legítima associação entre o termo, o fenômeno e o sentimento. Pois, a alegria em si, diz respeito à vitalidade, à existência pró-ativa e mobilizadora.

Existe, porém, um certo tipo de alegria que tem as suas raízes fincadas na realidade imediata. Quando assim ela se manifesta, se torna apenas um sentimento momentâneo que precisa que as circunstâncias exteriores sejam agradáveis e os ventos estejam soprando, favoravelmente. Esta alegria é, em si mesma, efêmera como o momento que passa e aqueles que a experimentam afirmam que o seu fim é tristeza. Sobre ela o sábio afirmou que “até no riso o coração sente dor e o fim da alegria é tristeza.” (Provérbios 14:13).

Há, ainda, a alegria que decorre de um investimento contínuo. Ela, nesse sentido, tem o caráter do mérito, ou seja, é o resultado de atitudes conscientes em que a pessoa recebe porque fez jus à sua recompensa. É um sentimento legítimo, mas mesmo assim, somente um sentimento, um efeito colateral de circunstâncias vivenciadas e transformadas pela intervenção pessoal. O salmista a chama de semeadura quando diz: “Os que semeiam em lágrimas segarão com alegria.” (Salmos 126:5).

Estas manifestações do sentimento chamado alegria de forma alguma devem ser desconsideradas ou negligenciadas, muito ao contrário, precisamos aproveita-las como oportunidades de vida. Além disso, devemos investir, sabiamente, na existência de tal forma que a continuidade da alegria seja um fato constante.

Mas existe uma alegria que se faz sinônimo de felicidade, é aquela que tem a sua origem nas esferas eternas, naquilo que é transcendente. Ela independe dos momentos e está além do investimento pessoal, pois é fruto da fé e da graça de Deus. O salmista entendeu esta dádiva com o ritmo alegro quando afirmou: “Puseste alegria no meu coração, mais do que no tempo em que se lhes multiplicaram o trigo e o vinho.” (Salmos 4:7). Esta alegria não é somente um sentimento, é uma maneira de ser frente à existência, frente a qualquer tipo de realidade. Ela foi chamada por Jesus de bem-aventurança e todos são convidados a interiorizá-la quando pela fé abraçam o reino dos céus.

Portanto, mais que alegria, devemos ser inundados pela felicidade que vem do alto, do Pai das Luzes em quem não há mudança nem sombra de variação (Tiago 1:17).

Roberto Montechiari Werneck

Vencendo o Medo



“O que devo temer se não temo a morte?”
(Friedrich Schiller - Don Carlos)

O medo é um sentimento que só, raramente, pode ser associado a algo positivo. Normalmente, ele decorre de uma circunstância aversiva. Sendo o efeito colateral de uma experiência negativa em que fomos punidos ou que sofremos de alguma maneira. Com o passar do tempo ele vai se tornando um hábito defensivo frente ao mundo e suas moléstias, levando-nos a fugir ou a nos esquivarmos de circunstâncias que sinalizam uma penalidade. Portanto, sentimos medo e este serve como um alerta, uma forma do organismo se preparar para uma situação ameaçadora ou desconfortável presente ou possível.

Para algumas pessoas o medo se tornou uma maneira de ser e existir. Existem aqueles que vivem aprisionados por todas as fobias possíveis, das quais, a morte é a realidade mais temida. Estas pessoas, se deixaram enclausurar em suas rotinas, fecharam-se para todo o tipo de mudanças e se recusam a reconhecer que o completo controle é uma impossibilidade. Assim, a previsibilidade de suas vidas se tornou um fardo angustiante a ser carregado como imposição de seus temores.

Mas para algumas pessoas, o medo, gradualmente, tem se tornado como uma sombra, um vestígio, que vai se esquecendo, palmo a palmo, quando a luz de um novo dia começa a brilhar. Sim, há gente sobre as quais o medo perdeu sua eficácia e o seu poder dominador, ainda sentem medos pontuais, mas não vivem mais sob a tirania do pavor existencial. Essa mudança de sentimentos decorre de uma profunda avaliação da vida e seu significado.

Sabemos que o medo é capaz confundir nossos sentidos e fazer com que os problemas se tornem maiores do que são, além disso, hiperdimensiona as nossas fragilidades. Aqueles que o venceram, o venceram porque aprenderam a olhar as contingências sob uma nova perspectiva e hoje tem um olhar claro, partilham da verdade, pois receberam a revelação. Ser iluminado pela Verdade rompe com todas as mentiras que alimentam os medos de nossas almas, dissipa a ignorância que, normalmente, cerceia a vida das pessoas. Assim, para vencer o medo é preciso encarar a verdade, absorvê-la e entender as conseqüências de nossas escolhas pessoais.

Aqueles que venceram o medo, o venceram quando perceberam que nenhuma punição ou sofrimento pode usurpar aquilo que é realmente importante na sua existência. A questão nesse momento, é o que é importante na vida de uma pessoa. Se a razão da vida de alguém está nos seus bens ou nesta vida, com certeza, os medos irão se avolumar, visto que a incerteza e as perdas são a tônica deste mundo e da materialidade; se a razão da existência de uma pessoa está no seu status social, com certeza há o que temer, pois a glória desse mundo é efêmera e passageira. Porém, se o que realmente importa para alguém está além, firmado em Cristo no tempo eterno, onde ladrões não podem roubar, nem mesmo onda as traças venham a corroer, aí não haverá qualquer razão para qualquer tipo de medo.

A verdade é que se consideramos alguma coisa como realmente nossa, sempre haverá motivos para temer. Livres do medo são aqueles que realmente perderam tudo e que nada consideram de fato sua posse. Estes aprenderam o sentido da mansidão e encontraram descanso para suas almas. Neste momento vale considerar: Se nem eu mesmo me pertenço, qual poderia ser a razão de cultivar algum temor?

Roberto Montechiari Werneck

Meu céu ou o céu de Deus?

Ficamos a vida toda programando momentos. Grande parte de nossa existência é na expectativa e na preparação de oásis temporais de satisfação e alegria que não permanecem, não podem permanecer e nem tem esse objetivo. Pois pela falibilidade de nossas construções humanas estes momentos se mostram insustentáveis e, por fim, tediosos. Desta forma, somos conduzidos novamente ao mundo do todo-o-dia, na ânsia de construirmos novos e melhores períodos de festa, de carnaval, de férias, de vida. Essa rotina constante que visa preparar ocasiões específicas e espaçadas deixa um gosto amargo e provoca uma ininterrupta insatisfação no coração humano.

Creio que a partir desse posicionamento habitual dos seres humanos, das reflexões decorrentes e dos sentimentos conseqüentes, surgem conceitos, teorias e teologias que buscam compreender a realidade espiritual do homem. Com o pressuposto da insatisfação e do agir humano como sempre necessário à elaboração da realidade, as pessoas concebem o melhor como resultado único e exclusivo do que são, do que fazem, do que serão e poderão fazer. Assim, para alguns, aquilo em que é investido a vida é a sua expectativa eterna, seu paraíso construído, em outras palavras, as suas boas obras são a sua construção do céu. Os gurus, ou mesmo, Jesus, de acordo com essa visão, se mostram apenas como exemplos condutores. Aqui, na verdade, não há um Salvador, não há Cristo, pois a eternidade é edificada pela rotina dos homens e sobre ela. O céu seria o melhor que o homem pode fazer. Aqui seria oportuno dizer que o inferno é o céu que os homens constroem.

Porém, existe uma outra possibilidade de entender a vida e a realidade espiritual. Sabemos que não existe ação humana que perdure por si e produza bens duradouros e unicamente positivos. Sempre há um limite, sempre há um porém. Quando nos deparamos com a mensagem da graça de Deus em Cristo percebemos que a vida pode e deve seguir um caminho diferenciado. Pois, de acordo com a perspectiva da graça, Cristo é quem faz da realidade uma experiência viva e, também, é quem constrói a eternidade, à qual aqueles que depositaram a sua fé Nele serão convidados a desfrutar. Nessa perspectiva, Cristo é o Salvador, aquele que resgata o perdido e o conduz seguro em Suas mãos a uma outra realidade que não foi nem mesmo concebida pelo coração humano, vista por seus olhos ou ouvida pelos seus ouvidos. O céu é uma surpresa para os perdidos.

Na religião, seja qual for ela, o homem vive por si e edifica a sua realidade eterna. O que o espera é o seu melhor, seus desejos, suas imprecações, vícios, devaneios e angústias. O que o espera é um fogo que não se apaga e o verme que não morre nunca.

Já em Cristo e no evangelho da graça de Deus, o céu é o melhor que Deus pode fazer pelo homem e a eternidade é o testemunho da eficiência de um Deus que é capaz de proporcionar uma segurança permanente e supra-satisfatória para aqueles que o amam. Assim, o céu não é uma conquista humana, muito ao contrário, é resultado da desistência do homem de confiar em si e o seu depósito de confiança no melhor de Deus.

Diante desse fato fica uma questão em pauta: Desejaremos edificar o nosso próprio céu e eternidade ou deixaremos que Deus o construa para nós em Cristo?

Roberto Montechiari Werneck

Um pouco de solidão, só um pouco


“Disse o Senhor Deus: não é bom que o homem esteja só...”
Gênesis 2:18
A solidão pode ser uma tortura, uma experiência negativa e angustiante ou pode se tornar uma circunstância em que temos condições de aprender mais sobre nós mesmos, ocasião em que nos encontramos com nossa vida interior sem interferência alheia.
Verdade é que aprendi muito a meu respeito nos momentos mais solitários de minha história, e saiba, foram muitos. Nestes estados me defrontei com os monstruosos seres que habitavam os recônditos de minhas memórias e tomei contato com as verdades mais doloridas e feias a meu respeito. Porém, foram, exatamente, estes momentos que trouxeram o rompimento das amplas mentiras que empanavam a minha percepção sobre as pessoas, sobre a vida e suas possibilidades.

Foi na solidão dos meus desertos que pude reconhecer a realidade do meu caminhar solitário. Foi ali que enxerguei que, como seres humanos, estamos sós, definitivamente, isolados uns dos outros e o máximo que podemos nos aproximar é da exterioridade de nossos semelhantes. Tudo que temos, como pessoas envolvidas na estrutura desse mundo, é esta proximidade virtual e aparente. Quando temos exclusivamente a vida bidimensional proposta pela materialidade, somos apenas capazes de compartilhar fragmentos de ser, toques, palavras, gestos que na realidade são apenas mímicas da alma.

A experiência da solidão produziu em mim uma profunda necessidade de companhia que não fosse somente um corpo ao meu lado, mas uma presença, uma existência que me compartilhasse. Assim, pude compreender, que para ter verdadeira companhia, precisava ser residência para o outro, ser casa onde o meu próximo pudesse se achegar e encontrar abrigo. Para tanto, as pessoas não poderiam ser somente objetos de satisfação ou instrumentos para minha realização pessoal, precisavam ser amadas como eu amo o meu próprio ser, elas precisavam ser queridas e recebidas como parte essencial de minha existência.

Essa descoberta possibilitou que viesse a fazer uma séria escolha, poderia permanecer solitário nas vaidades de minha auto-suficiência, ou poderia reconhecer o quanto era imperiosa a presença das pessoas e seguir em sua busca. Escolhi a segunda opção e não me arrependo, pois a vida só encontra o seu real sentido na presença e intimidade com o outro.

Continuo gostando de um pouco de solidão. Mas hoje não vivo mais só. A solidão em minha vida se tornou uma escolha pessoal e momentânea e não uma imposição da existência. A sua crueldade foi erradicada, definitivamente, quando não somente os outros se tornaram presentes, mas sim quando o Grande Outro em mim fez residência.

Roberto Montechiari Werneck

Continuo a Sonhar

“Nós somos do tecido de que são feitos os sonhos.”
William Shakespeare

As minhas limitações e insignificância não desmerecem os meus sonhos ou a minha fé. E, talvez, seja, exatamente, por causa dessa realidade pessoal e circunstancial cheia de precariedades, que sonhos, fé e esperança façam real sentido.

Cheguei à conclusão de que gente que se considera perfeita não precisa sonhar, pois a realidade da perfeição indica que tudo está acabado, concluído, exato; tudo acontece dentro do esperado e não existe a possibilidade de surpresas ou mudanças. Conheci em minha caminhada aqueles que se viam plenos e totalmente resolvidos. Conhecê-los foi como ter contato com pedras de mármore, faltava-lhes coração, pulso, sentimentos e a energia vital necessária para alimentar novas idéias.

Porém, aqueles que sonham, são exatamente aqueles que sabem que o que existe, ainda, não é o que deveria ser, não é ainda o melhor. E é este “ainda” que os faz cheios de esperança e os move, pois aquilo que ainda não é, potencialmente é, ou pode ser.

Compreendi que meus sonhos não precisam ser proporcionais à brevidade de minha existência terrena. Sei que existem aqueles que constroem seus sonhos com prazo de validade. Estes só enxergam a realidade deste mundo material e fundam seus projetos sobre a objetividade da existência terrena, constroem sonhos que têm hora para terminar.

Mas a minha fé me ensinou a cunhar sonhos de caráter eterno. Fui ensinado a construir planos transcendentes que têm o poder de me alçar das profundezas da decepção e angústias a um platô de paz e percepção diferenciadas. Eles foram alimentados pelo poder da Nova Notícia e me deram condições de esperar por Cristo não somente nesta vida, pois se assim o fizesse, seria de todos os homens o mais miserável, visto que a mensagem das Boas Novas têm o caráter da perenidade e a proposta de infinitude.

Hoje sei que sonhar me faz humano, me insere no tempo e espaço, mas também me leva a transcendê-los sob o norte do vir-a-ser. Por isso, continuo a insistir em enxergar no horizonte mediato e imediato os nuances de uma nova vida e a olhar com esperança para as possibilidades do manhã.

Resisto, definitivamente, aos profetas do caos e aos míopes existenciais, eles são como cancro a corroer sonhos, há muito já deixaram de ser humanos para se tornar simplesmente peças das estruturas e sistemas que os envolvem. No entanto, abraço a perspectiva de que novas coisas serão sempre uma constância para aqueles que tiveram os seus olhos abertos e a alma tocada pelo poder da mensagem de novos céus e nova terra.

Roberto Montechiari Werneck

A Vida é o Melhor Argumento da Fé

“A incredulidade é impaciente. A fé ignora a pressa.”
Simon Vestdijk

É interessante o quanto nos esforçamos para convencer as pessoas de nossos pontos de vista. Distorcemos os fatos, manipulamos argumentos, fazemos discursos e inventamos punições, para aqueles que discordam, e premiações, para aqueles que aderem à nossa maneira de ver e interpretar o mundo. Mas a cada dia esse nosso jeito fica mais estranho e engraçado para mim. Pois, na verdade, a impressão que tenho é que fazemos isso como uma forma de manter a nossa relevância no contexto em que vivemos, ou, como um exercício de auto-convencimento.
Hoje entendo que a fé é. Ela é, para o cristão, natural e espontânea e se mostra respeitosa para com outras maneiras de existir, ser e crer. A fé alheia não se torna um obstáculo ao que creio, muito ao contrário, ela é afirmação do que creio e a demonstração cabal de que minhas escolhas irão me conduzir a uma realidade de vida diversa daquela admitida por aqueles que professam uma atitude de fé diferente.

Por esta razão, o seguidor de Cristo nunca é convidado a matar em nome de sua fé, mas sim, é chamado a crer, mesmo diante das ameaças de morte. Jesus me ensina por meio de Sua vida que se estou convicto, a convicção do outro não pode, definitivamente, me ameaçar e, portanto, não preciso aniquilá-lo, mas amá-lo e servi-lo.

A fé não força entrada, a fé verdadeira atrai. Assim é que percebo na vida de Cristo, Ele simplesmente atraía as pessoas à Sua presença. As multidões se admiravam de Sua autoridade, pois aquilo que falava e vivia fluíam de Seu ser. As pessoas estavam livres para permanecer ou não com Ele.

Vendo em Jesus tal procedimento, compreendo que a fé real nunca fará uso da manutenção da ignorância ou da manipulação das trevas, pois ela é luz, promove o entendimento e conduz o ser à plenitude.

Assim, tenho percebido que quando estou plenamente convicto de alguma coisa, simplesmente, vivo de acordo com o que acredito, não importando a opinião das outras pessoas, sejam ameaças ou elogios. Concordo com Joseph Campbell, quando ele disse que as pessoas se equivocam quando tentam persuadir os outros, na verdade, segundo ele, elas fariam melhor se revelassem “a radiância de sua própria descoberta”. Viver aquilo que acredito é revelação em sua forma mais intensa e completa. A vida é um fato incontestável diante da qual os argumentos e articulações sucumbem. Por esta razão, creio que a orientação do apóstolo Pedro aos primeiros cristãos é significativa quando disse: “mantendo exemplar o vosso procedimento no meio dos gentios, para que, naquilo que falam contra vós outros como de malfeitores, observando-vos em vossas boas obras, glorifiquem a Deus no dia da visitação”.

Roberto Montechiari Werneck

Sobre gaiolas e céus



“O mais belo estado da vida é a dependência livre e voluntária: e como seria ela possível sem amor?”
Johann Goethe


Vez por outra, preciso me lembrar que o amor não é uma gaiola, que posse nada tem a ver com afeição e que pessoas não são coisas. Preciso me lembrar dessas verdades porque há ocasiões que me pego exercitando o estranho hábito de construir cadeias para aprisionar aqueles que amo. Em nome de um zelo sincero, também sou capaz de ferir e atrofiar a vida daqueles que são preciosos para mim, seus sentimentos e desejos.
Faço assim, normalmente, por me sentir inseguro em relação ao que sou. Percebo que quando me esforço para limitar as ações, contatos e relacionamentos das pessoas, estou somente expressando a visão negativa que tenho a meu respeito, pois se estivesse seguro do meu valor, permitiria que o outro vivesse sem as grades e cercas de segurança que imponho.

O amor verdadeiro deixa voar, permite que o outro seja quem é, e, até mesmo, deixa que ele siga caminhos que, mesmo eu, não estou disposto a seguir. Desta forma, ele é liberdade em seu sentido pleno, sendo em si a permissão para a partida e para o retorno, sempre possuindo os encantos da graça e da compreensão.

Preciso sempre me lembra que a essência do amor é a liberdade. Não posso obrigar as pessoas a viverem aquilo que elas não desejam. Se assim o faço, decomponho o amor em um capricho pessoal e mesquinho, faço dele somente um querer individual e autoritário em detrimento do outro e de seus desejos.

Ao invés de construir gaiolas para aprisionar a almas, preciso aprender a construir céus para que elas se aventurem na arte de voar. As pessoas se tornam melhores quando têm a oportunidade de cultivarem sonhos e de se arriscarem por eles, quando podem olhar adiante e vislumbrar um amanhã diferente e uma vida melhor, mesmo que eu não venha a fazer parte essencial desta nova trajetória.

Quando não existem gaiolas, sempre existe a possibilidade do outro partir. Mas, somente assim o seu permanecer faz algum sentido real. Pois se alguém é livre para ir e deseja ficar, isso testifica que o que existe é realmente precioso e singular. Assim, prefiro hoje ter as pessoas que amo livres ao meu lado, do que tê-las enclausuradas a mim e sonhando com outra vida.

O próprio Deus assim conosco faz, o amor de Deus é céu e nunca gaiola. Mesmo preparando um lindo paraíso para o homem, Ele deixou a porta aberta para a partida e em Cristo a Porta aberta para o retorno.

Roberto Montechiari Werneck

Cansaço e Refrigério



“De pé, sobre os países conquistados
Desce os olhos cansados
De ver o mundo e a injustiça e a sorte.
Não pensa em vida ou morte”
Fernando Pessoa


Tenho chegado a um tempo de cansaço. Não é um cansaço físico ou resultado de stress de trabalho, é um cansaço existencial, dolorido. Às vezes, olho para meu coração e encontro lágrimas que foram se acumulando durante anos, e, percebo que não são somente meus choros adiados, são histórias de gente que vi sofrer, gente que foi injustiçada e mutilada por feras de todos os tipos e gêneros, feras humanas soltas em lares, em religiões e instituições. Gente que não tinha a quem recorrer e se viu sem forças, sequer, para continuar. Elas entraram em minha vida e eu pude aprender que quando ajudamos outros a carregar seus fardos, somos levados a chorar suas lágrimas, pois elas inundam nossos corações, e somos conduzidos, muitas vezes, à exaustão.

Tenho estado cansado de ver a exploração da boa fé do povo por parte daqueles que deveriam ajudá-las. Líderes religiosos de todos os naipes e medidas que lançam mão de todos os meios possíveis para usurpar dos fragilizados tudo o que for possível. Uma espiritualidade sem misericórdia e graça, onde os resultados definem os vitoriosos, ambientes em que a compaixão, o perdão e o amor não encontram ocasião. Tradições que sufocam almas, e mentiras que foram ditas tantas vezes que se tornaram verdades inquestionáveis.

Estou cansado de andar em um mundo que jaz no maligno. Mas quando falo deste mundo perverso que me cansa e no qual tenho que trilhar, estou falando não, necessariamente, de lugares demonizados, mas daquilo que as pessoas carregam nos corações e dos princípios e valores que permeiam suas vidas e relacionamentos. Não entendo que um bar seja mais mundo que um templo, entendo que estes lugares podem ser tanto lugar do reino de Deus, como a mais pura expressão do inferno. O que define um ambiente como reino de Deus é quem ali está e o como essa pessoa vive este lugar. Pois foi isso que Jesus nos ensinou quando disse que o Seu reino não viria com aparência exterior, nem poderiam dizer: “ei-lo ali” ou “lá está ele”, pois ele seria estabelecido no coração daquele que crê. Por esta razão, tenho estado cansado de ver o reino de Deus aprisionado nos templos, amordaçado, sem sequer poder andar pelo mundo com liberdade e autoridade, um reino que se perde do seu Deus em função das barreiras da religiosidade.

Estou cansado de me ver tão impotente, tão pequeno, tão frágil diante de tudo isso, e também, diante dos meus próprios erros e limitações. Estou cansado de não ter voz e quando a tenho sou tão cauteloso ao falar, tão tímido ao dizer o que deveria ser dito.

Só tenho continuado a seguir porque tenho a Quem seguir, Alguém que tem desembaraçado os meus pés e aliviado os fardos que tanto me cansam. Dia-a-dia preciso ir a Ele e chorar minhas dores, lançar sobre Ele as minhas ansiedades, depositar em suas mãos os lamentos e lágrimas daqueles companheiros de caminhada que confiam a mim suas aflições. Quando assim faço, encontro alívio e uma paz que não posso compreender, mas que está lá, forte, irredutível e que proporciona o sono dos justos.

Roberto Montechiari Werneck

Imagem e Semelhança



É interessante como os nossos filhos nos surpreendem com questões que se tornam contundentes afirmações.

Em certo dia estava eu compenetrado em meus estudos quando de repente ouvi os pequenos passos de Arthur que acabara de entrar em meu escritório. Por essa época devia ele ter por volta de dois anos de idade. Após me chamar, perguntou-me:

- Papai, quando a gente ama a gente fica parecido?
Depois de ouvi-lo e ser surpreendido pelas suas palavras, somente pude transformar a sua pergunta em uma declaração:

- É, filho, quando a gente ama a gente fica parecido!

Após ele voltar ao seu cotidiano de infância e brincadeiras, fiquei a considerar a idéia que ele havia me concedido. Pus-me então a pensar sobre os aspectos inerentes à realidade do amor na vida de uma pessoa e cheguei a algumas considerações que exponho abaixo.

O amor que eu digo possuir faz-me mais próximo e coerente com o ser amado. Com o tempo a afeição que dedicamos a alguém nos faz absorver seus hábitos e maneira de interpretar a vida. Amar portanto é um evento cirúrgico na plástica da alma e da vida. O amor vivenciado é transformador. O amor sempre modifica a vida.

Tendo isto em mente, vale notar também que quando afirmo o meu amor a Deus, tornar-me-ei mais parecido com Ele, mais semelhante à Sua expressa imagem em Jesus Cristo. Dessa forma, posso entender o porquê da exortação bíblica: “Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele.” (1 João 2:15). Se vier a amar o mundo, mais parecido com ele serei, todavia se vier a devotar o meu amor ao Pai, me tornarei semelhante a Ele.

O amor expresso atrai o ser amado e o conquista, pois evidencia o bem que se está disposto a conceder. O amor nunca aprisiona, mas, com certeza, atrai. Ele é ato que fascina e encanta a alma, é bondade evidente que seduz. Quando afirmo meu amor por uma pessoa, estou declarando a minha disposição de agir com bondade e cuidado para com ela.

Assim Deus também afirma ser o Seu amor por nós. O profeta Jeremias enfatizou que o amor de Deus não era circunstancial, mas eterno e que era repleto de bondade, deste modo, disse o profeta: “De longe o Senhor me apareceu, dizendo: Pois que com amor eterno te amei, também com benignidade te atraí.” (Jeremias 31:3).

O amor testifica a respeito de si. Quando vemos pessoas que se amam, podemos saber sobre este amor ao observarmos os gestos e peculiaridades que envolvem determinado relacionamento. O amor é um testemunho sobre a vida daqueles que amam.

Jesus afirma esta verdade ao falar aos Seus discípulos sobre como eles seriam reconhecidos pelos outros. O amor, segundo Ele, seria o ponto de identificação. Os Seus discípulos seriam conhecidos pelo amor manifesto de uns para com os outros. O amor me identifica a Cristo e àqueles que O seguem.

Não tinha muita noção que aprenderia alguma coisa com uma criança, mas pude aprender um pouco mais sobre o amor quando os olhos infantis de meu filho perceberam algo que fugia à minha percepção.

Roberto Montechiari Werneck

Dores Alheias

“As dores ligeiras exprimem-se; as grandes dores são mudas.”
Séneca

Herman Hesse em seu livro Demian relata em primeira pessoa a história de vida de um garoto chamado Sinclair, sua infância, adolescência e maturidade, suas percepções e circunstâncias de vida. Sinclair ao lembrar-se de sua meninice ressalta a profunda aflição vivenciada por ele ao ser perseguido e chantageado por um outro garoto maior chamado Franz Kromer. A sua angústia era tamanha que o levou a adoecer. Em certo momento, ele declara da seguinte forma o seu tormento infantil: “Em muito poucas vezes na vida, o infortúnio chegou tão próximo de meu coração, e nunca mais voltei a sentir um desespero e uma escravidão maiores”. Porém, o seu sofrimento passava desapercebido, ou quando muito, era somente visto, por seus pais e outros adultos, como coisa de criança.

Por vezes, olhamos para o sofrimento das pessoas e os mensuramos de acordo com um padrão de sensibilidade generalizado. Pensamos, por exemplo, que quem sofre de câncer, sofre mais do que alguém que padece de depressão; ou, um adulto estressado, vivencia o seu estresse de maneira mais contundente, justificado e verdadeiro do que uma criança; ou ainda, a perda de um ente querido dói mais do que o sentimento de um homem de meia idade que foi despedido e se vê desorientado. Em função desse balizamento estereotipado, tendemos a considerar algumas dores como legítimas e a desconsiderar, ou mesmo, recriminar, outras que entendemos menores e, juntamente, censuramos aqueles que as sofrem e os rotulamos como frágeis e pusilânimes.

Hoje sei que toda dor, dói; que toda aflição, aflige; que toda tribulação, atribula a alma das pessoas. Dizer isso parece uma redundância, mas, certo é que, em muitas vezes, nos colocamos diante daquele que padece com uma postura impassível e descomprometida. Olhamos, descremos da dor descrita e negligenciamos a ajuda necessária.

Creio que seja tempo de nos aventurarmos a procurar entender a consternação, tristezas e dores dos outros a partir de seu ponto de vista. Isso irá requerer de nós empatia e comprometimento, sensibilidade e afeto. Mas também nos dará condições de entender as nossas próprias angústias e frustrações, e possibilitará que venhamos a nos tornar pessoas melhores. Pois quem não entende a dor dos outros, ou as minimiza, não saberá dimensionar, adequadamente, as suas próprias dores, fazendo-as maior ou menor do que realmente são.

Hoje em dia não me afasto e me esforço para dar atenção àqueles que procuram alguém que lhes ajude a carregar os seus fardos. Busco ouvi-los e entendê-los e tenho percebido que o maior beneficiado nesse encontro, talvez, não sejam eles, mas sim, sou eu que vou conhecendo um pouco mais de suas experiências e a partir delas sou ensinado a ser uma pessoa melhor.

Roberto Montechiari Werneck

O Outro


Como é por dentro outra pessoa / Quem é que o saberá sonhar? / A alma de outrem é outro universo / Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. / Nada sabemos da alma / Senão da nossa; / As dos outros são olhares, / São gestos, são palavras, / Com a suposição de qualquer semelhança / No fundo.
Fernando Pessoa

O outro não sou eu, não é meu e não pode ser enquadrado, a priori, às definições e experiências conhecidas. Ele é, na verdade, um universo diferenciado, cheio de histórias, informações e experiências que não tive, é alguém a ser conhecido, ele é o que eu ainda não sei. Ter isso em mente, me capacita sempre a dedicar tempo no intuito de perceber as singularidades dessa nova realidade que se apresenta e a qual eu chamo de outro, de meu próximo. Creio que a única postura correta diante daquilo que eu ainda não conheço seja a aproximação tolerante e curiosa. E nesta aproximação, preciso estar disposto a me espantar, a me admirar, sem que, necessariamente, isso seja uma experiência ruim.

O outro não é uma ameaça, uma desgraça, uma agressão. Pode vir a se tornar, a posteriori, um perigo, pode agir em determinado momento agressivamente, mas não tenho como reduzi-lo à iminência de uma agressão, simplesmente por ser o outro desconhecido, ou mesmo, olhá-lo como a proximidade de uma violência antes de conhecê-lo. Há um conto de Rubem Fonseca, intitulado O Outro, no qual o contato de um executivo com um pedinte se transforma em uma ameaça pessoal, não porque o executivo estivesse sendo realmente ameaçado, mas porque o outro estereotipado, e não visto realmente, se apresentava como uma ameaça em si, simplesmente por ser o outro. Reconhecendo isso, sou levado a reavaliar meus hábitos defensivos e a me desfazer de algumas posturas para estar com a novidade que é a presença de um alguém até então não inserido à minha realidade de vida.

O outro não é um evento, ou mesmo, uma experiência de satisfação. Ter contato com ele pode ser satisfatório e os momentos em que desfruto de sua presença podem me trazer alegria, mas ele não está obrigado a atender todas as minhas expectativas e a fazer com que a minha existência tenha as marcas de um grande acontecimento. Entender isso me ajuda a lidar com as pessoas sem depositar sobre elas a responsabilidade de se tornarem o sentido de minha existência. Retirá-las do pedestal e entendê-las humanas, sempre possibilitará que o contato seja isento de grandes frustrações e angústias. Mas, além disso, entender o outro como humano permitirá que haja um relacionamento e não somente um contato momentâneo que resulta em contentamento pessoal.

Penso que essa realidade também se aplica ao Grande Outro. Muitas vezes as pessoas resumem Deus ao que podem enxergar ou compreender. Ele é para alguns, aquilo que pensam a Seu respeito e estas conclusões decorrem das suas parcas experiências com Ele. Outros o vêem como uma agressão ao seu estilo de vida e conceitos, a Sua proximidade é uma ameaça e desta forma se mantém distantes de Sua presença e influência. Há aqueles para os quais Deus é um parque de diversões ou, simplesmente, um evento, uma experiência de satisfação e quando não alcançam o que desejam se sentem decepcionadas.

Considere que, sendo Deus o Grande Outro, o meu contato com Ele sempre será uma grande surpresa. Para me aproximar Dele terei que me desfazer de todas as minhas resistências e conceitos, vou precisar entender que Ele é muito mais que um evento que acontece num domingo à noite ou o carro novo que comprei.

Roberto Montechiari Werneck

A Pseuda-Perfeição e o Caminho Perfeito



“Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus.”
Filipenses 3:12



Percebo que não sei e não tenho como me relacionar com gente perfeita. Já tentei várias vezes e percebi que, se assim o fizer, sempre me encontrarei numa circunstância de muita angústia e frustração. Só tenho condições de conviver com pessoas que têm problemas, dúvidas e crises, porque elas são o meu espelho e, tendo consciência do que são, continuamente serão capazes de entender minhas fragilidades, inseguranças e limitações. Estarão prontas para estender-me a mão quando vier a cair e sempre terão, em seus lábios, palavras de conforto para sanar meu coração em momentos de dor e agonia.

Pude entender com o decorrer do tempo que gente que olha para si com olhos de perfeição, normalmente, faz do outro o ocultamento das mazelas e pecados que sabem haver em suas próprias almas. O outro é ao mesmo tempo denúncia e expiação daquilo que não querem enxergar em si mesmas. Por isso, a necessidade constante de vasculhar a vida alheia à procura de erros; por isso, a necessidade de revirar a vida do próximo pelo avesso e policiar seus passos. Pois a lógica destes é: “Se ele for pior, me tornarei melhor”. Assim, o melhor de si está baseado na precariedade do comportamento do outro. Neles há uma necessidade de rotular o próximo e se diferenciar dele, tratá-lo como infrator e depreciar o máximo possível quem são, para que, por fim, se tornem melhores.

Gente que se considera perfeita não pode viver a própria vida. Vivê-la é encontrar o inferno pessoal e perceber que as fórmulas mágicas para a resolução de problemas não funcionam ou não são aplicáveis à própria realidade. Vivê-la é ter que revirar o baú da existência e encontrar as misérias relacionais, as frustrações mais ocultas. Viver a própria vida é perceber, é ser exposto à solidão que a pseuda-perfeição impinge e se deparar com a incapacidade de encontrar alguém que possa amá-lo simplesmente como é.

A verdade é que luto para ser melhor do que sou, para melhorar e me tornar mais humano, mais digno. Mas sei que há muito caminho ainda a percorrer. Procuro encontrar nessa trajetória, pessoas a quem eu possa ajudar e que me auxiliem. Essa é a razão porque escolhi seguir o caminho de Cristo, ele é o trajeto para pecadores arrependidos, mas, mesmo assim, pecadores em processo. Gente que luta diariamente para vencer seus erros e medos e se libertar do fardo opressor das exigências religiosas e das etiquetas civilizantes.

Ao percorrer este Caminho vou compreendendo o que é perdão, não, necessariamente, por expressá-lo, mas por experimentá-lo, por ser alvo do perdão de Deus. Entretanto, vou aprendendo também sobre o seu poder libertador ao concedê-lo àqueles que estão ao meu redor.

Roberto Montechiari Werneck

“Amor é estado de graça”


Em um de seus poemas, intitulado As Sem-razões do Amor, Drummond faz uma declaração maravilhosa e profunda, ele diz:

.................................

Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

..............................


Por vezes, os poetas são profetas e, em suas poesias, profetizam realidades. Ao falar do amor, Drummond foi feliz ao declarar a verdade relacional entre o amor e a graça e ao perceber a transcendência desse.


A Bíblia não desmente Drummond. Pois, ela firma que Deus é amor e que Ele deu a Si mesmo ao mundo. As razões do amor de Deus se encontram no próprio Deus que é amor. Ele nos ama porque nos ama. Em estado de graça Ele manifesta o Seu amor por nós, pois o amor do Altíssimo se revela em Sua doação completa em Cristo.


A razão da dádiva de Deus é o amor, mas não existem razões para o amor, a não ser aquelas relacionadas ao próprio ser de Deus.


Cabe a nós sermos, simplesmente, campo para que esta dádiva seja semeada; terreno propício para que o amor de Deus se manifeste e se propague. Talvez, nesse percurso, aparecerão pessoas difíceis, complicadas e que não sejam amáveis; ao demonstrarmos amor por elas, possivelmente, se surpreenderão. Diante então de seus questionamentos e perplexidade, poderemos dizer: Eu te amo porque Ele me amou primeiro. Amor é estado de graça.


Roberto Montechiari Werneck

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Por que deixar o tempo passar?



“Como se fosse possível matar o tempo sem ferir a eternidade”
Thoreau , Henry – Walden

Normalmente, as pessoas chegam ao final do ano cultivando um sentimento de alívio, de libertação. Em suas expressões é possível perceber o semblante desoprimido e desafogado que irrompe, como que se o ano que foi deixado para trás tenha como sua marca principal a tribulação, a desesperança e a carência.

Mas será? Como será que temos olhado para o tempo que ganhamos para viver? Quero assim pensar com você sobre as razões que levam as pessoas, e talvez, nós mesmos, a estarem tão ansiosas para deixarem o tempo para trás.

Existem aqueles que querem deixar o tempo para trás, porque pensam que logo ali adiante está o melhor dia. Estes não conseguem enxergar nada de bom no dia em que vivem. Em suas palavras está sempre a murmuração pelo que lhes está a acontecer. Os seus olhos corrompem as bênçãos e o que vêem é o opróbrio, seus ouvidos deturpam as palavras e, assim, o que ouvem são somente críticas. No entanto, pensam eles: “logo ali, no próximo dia, está o que almejo, a oportunidade esperada, o momento certo para fazer ou conseguir meu sonho; as melhores pessoas”. O tempo passa e este é sempre um inimigo contra o qual se deve lutar e contra quem sempre perdem.

Também, existem aqueles que estão ansiosos para deixarem o tempo para trás, porque estão à caça da mágica das datas especiais. Crêem, eles, que estas datas são capazes de retirar de sobre os seus ombros o peso de toda responsabilidade, decepções e dores que foram acumuladas. Esperam as datas especiais para que algo de novo aconteça em suas vidas, para fazerem votos, para assumirem novos projetos. Vivem de momentos peculiares. Ao contrário dos anteriores, não são chegados à murmuração e até conseguem enxergar coisas boas no seu dia-a-dia. Mas esperam o dia D, aquele que fará com que tudo seja diferente. Não obstante, os anos passam e eles esperam sempre uma data mais significativa, um instante mágico capaz de mudar o que nunca mudou. O tempo para estes é um garimpo, buscam sempre o momento ideal, porém se esquecem de construí-lo.

Entretanto, há aqueles que não querem deixar o tempo para trás, porque aspiram convertê-lo em eternidade. Estes optam por viver intensamente o dia que receberam e encaram-no como uma dádiva dada por Deus. Fazem dele a matéria-prima para a construção de dias melhores. Não querem perder nem mesmo um segundo que seja, sem que dele retirem o ensino concedido pelo Senhor. Seguem a orientação de Jesus, aproveitam o dia de hoje e não se inquietam pelo dia de amanhã.

Talvez já seja tempo de você fazer do tempo um aliado seu, um amigo. E que o hoje seja o dia especial para todas as mudanças, para todos os sorrisos, para todos os abraços. Que o seu hoje seja louvor e gratidão a Deus pelos dias que se passaram e declarações de fé por aqueles que virão.

Roberto Montechiari Werneck

Slow Food



“Apenas desejo a tranqüilidade e o descanso, que são os bens que os mais poderosos reis da terra não podem conceder a quem os não pode tomar pelas suas próprias mãos.”
René Descartes

Tenho um projeto de descanso. É, estou tentando construir minha vida de tal maneira que seja permeada de bons e agradáveis momentos. Quero, também, viver meu trabalho e as responsabilidades com a consciência do sossego. O escritor italiano, Domenico de Masi, chama esse tipo de postura de ócio criativo. Ele propõe a vida em slow food em contraposição ao fast food que reina hoje no mundo pós-moderno. Concordando com ele, quero construir os meus dias e saboreá-los, quero gostar da vida que vivo e ter tempo para uma vida que faça sentido para mim. Sei que gosto de muitas coisas que ficam esquecidas em um segundo plano de minha existência. Gosto de conversar com amigos sem me preocupar com as horas; gosto de assistir a bons filmes, ler ficção e outros temas que nada tenham a ver com a minha função. Além disso, gosto de andar vagaroso pelas ruas sem ter compromissos a me apressar; gosto de ouvir música na madrugada com as luzes apagadas; gosto de demorar debaixo do chuveiro e me secar lentamente; gosto de participar de festas; gosto de me escangalhar de rir ouvindo piadas e histórias engraçadas; gosto de comer devagar e saborear novas iguarias e de muitas outras coisas similares a estas. Agora me diga: O que há de errado em organizar a vida de tal maneira que haja tempo para fazer todas essas coisas, sem culpa?

Para algumas pessoas falar em descanso é declarar uma grande heresia num mundo que reverencia o stress e as multidões de compromissos e atividades. Tenho que reconhecer que para esse mundo, na verdade, sou um herege. E da pior espécie, diga-se de passagem. Pois além de gostar desse tipo de ócio, entendo-o como fecundo, divulgo-o e procuro adeptos.
Hoje sei que descansar não significa ser improdutivo ou apático. Muito ao contrário, o descanso é um outro nome que damos à oportunidade de vivenciar histórias que tem tudo a ver com o que somos e gostamos, ou seja, com nossos verdadeiros interesses. Creio que são nos nossos momentos de descanso que produzimos o melhor de nossas vidas, nossos melhores sorrisos, nossos melhores pensamentos, nossos melhores afetos. Descansar é romper com as rotinas de um mundo cão no intuito de encontrar o nosso momento e o sentido de nossa existência. Cansa ser o que não somos e viver o que não desejamos. Assim, aquele que ama o que faz e que faz o que ama, encontrou repouso.

O descanso é o resultado esperado por aquele que empreende uma tarefa e a entende relevante e preciosa. Nesse caso descanso significa também poder contemplar o resultado de algo que foi feito com amor. Por essa razão, diz a Escritura que Deus descansou, não necessariamente porque estava cansado, mas descansou ao contemplar algo tão belo que foi criado para o Seu próprio contentamento.

Ao ler a Bíblia esbarro na declaração que diz que o céu é um lugar de descanso. Ela também nos fala que Jesus convidava as pessoas para irem a Ele para encontrarem alívio para as suas almas. Portanto, descanso não deve ser uma coisa, necessariamente, má.

Roberto Montechiari Werneck

O Indomado



“Falar de perdão é falar de Deus, é falar da graça, é falar da capacidade de oferecer aos outros uma memória apagada, sem registros, sem mágoas e sem as tatuagens do ressentimento.”
(Caio Fábio – Perdão: Encarnação da Graça)

Há uma ótima frase de Mário Quintana que diz: “Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...”. Concordo com Quintana. Penso que muitos são aqueles que se habituaram somente com uma religião discursiva e vivem apenas um culto às normas. Deus é só parte do discurso religioso, e a idéia da divindade serve só para manter as convenções e convivências dentro de um âmbito de seguridade e compromissos. Ele é a Grande Punição, o supremo Não Pode, Não Toques, Não manuseies. É o Deus domesticado, estilizado e enquadrado à percepção pessoal. Sendo assim, já não é mais Deus, mas só um ídolo no altar das vaidades humanas.

O Deus das Escrituras é indomado, incomum, indescritível. C. S. Lewis em seu livro As Crônicas de Nárnia O apresenta como Aslam, o Leão. Segundo ele, quando, por fim, Aslam desaparece das festividades sem ninguém perceber, nenhuma pessoa fez qualquer comentário, pois todos se lembraram das palavras do Sr. Castor que já os havia avisado: “Ele há de vir e há de ir-se. Num dia, poderão vê-lo; no outro, não. Não gosta que o prendam... e, naturalmente, há outros países que o preocupam. Mas não faz mal. Ele virá muitas vezes. O importante é não pressioná-lo, porque, como sabem, ele é selvagem. Não se trata de um leão domesticado”. Cristo é o Deus com cara de Leão, indomável. Quem o conhece não se assustará, mas quem apenas o definiu como processo civilizatório e adequação às normas, sempre, ficará chocado com a Sua presença, maneiras e invencibilidade.

Que susto não irão levar aqueles que só pensam em Deus como sendo seu, ao descobrirem que Ele não pertence a ninguém, que está além de Sua própria criação, não podendo ser definido por qualquer tipo de nomenclatura, não podendo ser aprisionado aos juízos, regras e percepção terrenas. Ele não é o Deus do Cristianismo, do Judaísmo, do Islamismo ou de qualquer outro ismo, sistema ou estrutura. Ele é o Senhor dos céus e da terra, do mar e de tudo quanto há. O grande Eu Sou, o Filho encarnado, a essência da vida.

O susto será grande, pois com o Eterno a graça se manifesta. E ela é um fato intragável para todos os carolas. Como expressou maravilhosamente Philip Yancey em seu livro Maravilhosa Graça: “Graça significa que não há nada que possamos fazer para Deus nos amar mais (...) E a graça significa que não há nada que possamos fazer para Deus nos amar menos”. Espanta a muitos que Deus não nos trata segundo nossos merecimentos, mas segundo o Seu amor. É quando cremos no amor de Deus por nós, manifesto em Cristo, que deixamos de nos assustar com Ele e podemos, enfim, ver todos os abismos do medo sendo selados e todos os sustos sendo calados.

Roberto Montechiari Werneck

Aprende a fazer contas



“Não odeies o teu inimigo, porque, se o fazes, és de algum modo o seu escravo. O teu ódio nunca será melhor do que a tua paz.”
Jorge Borges

Odiamos para nos assemelhar. Tememos ser diferentes daquilo que está ao nosso redor e sermos identificados com os estranhos e inadequados. O ódio é uma prática universal e generalizada. As pessoas odeiam pelos mais diversos motivos. Mas, com certa freqüência, odeiam mais, incisivamente, aquilo que é diferente, aquilo que destoa de suas verdades ou de suas mentiras. O escritor e novelista francês Stendhal, depois de muito viver, disse: “Já vivi o suficiente para ver que a diferença provoca o ódio”. Temos o hábito de sentir aversão e antipatia daqueles que se vestem de maneira diferente, que ingerem alimentos diversos daqueles que estamos habituados, que fazem suas preces a outras divindades e pensam com uma lógica díspar da nossa. Odiamos e a partir desse ódio, fazemos as guerras, e com elas, intentamos destruir a diversidade e sufocar a identidade alheia. Se assim não fazemos, somos condenados como traidores da homogeneidade, rechaçados como infiéis.

Odiamos por falta de habilidade para amar. Os exemplos de amor são escassos e as oportunidades de aprendizagem, dia-a-dia, se tornam mais raras. O amor e o ódio são escolhas de conduta e o próprio sentir se mostra como um efeito colateral daquilo que o ambiente nos fornece. Desta maneira, o ódio se alastra como epidemia, sendo fomentado pela cobiça, pela avareza e, por toda a sorte de vícios e atitudes que o mundo celebra. Creio que assim acontece porque o ódio é o sentimento que melhor se encaixa às almas mesquinhas, e elas são muitas. Aqueles que não conseguem ir além, que são, inevitavelmente, reacionários, só podem odiar. Falta-lhes a imaginação que o amor exige. Pois, amar é ser maior, é dar o passo definitivo rumo ao porvir e à idealização, enquanto o ódio é apenas o escarafunchar no vômito das circunstâncias imediatas. O escritor português Vergílio Ferreira nos ensina com sabedoria a sermos sensatos ao escolhermos os nossos sentimentos e atitudes: “O amor acrescenta-nos com o que amarmos. O ódio diminui-nos. Se amares o universo, serás do tamanho dele. Mas quanto mais odiares, mais ficas apenas do teu. Porque odeias tanto? Compra uma tabuada. E aprende a fazer contas.”

Vivemos tempos de terror e ódio, mas não precisamos nem devemos ser instrumentos para a sua disseminação, mesmo que vejamos a animosidade sendo vivenciada e as pessoas pagando o bem com o mal, esse não é o melhor trajeto. O ódio sempre atualiza a agressão e fragiliza a alma, deixa-a menor e sempre mais miserável. Busquemos o antídoto contra esse mal, sejamos cheios de imaginação para amar e converter as nossas dores em alívio para o mundo. Creiamos como Charles Chaplin foi capaz de crer: “Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror”.

Roberto Montechiari Werneck

Tanto Creio quanto Descreio

“Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que se não vêem.”
Hebreus 11:1

Sou um crente um tanto cético. Como disse um grande amigo meu, que se diz ateu, sou um verdadeiro sinal do final dos tempos, um paradoxo. Mas essa é hoje a minha condição. Sou capaz de crer e descrer ao mesmo tempo. Penso que isso pode ser chamado de discernimento. Creio em verdades espirituais, creio em Deus e deposito minha confiança Nele, creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus que veio em carne para desfazer as obras do diabo, creio na presença e ação do Espírito Santo de Deus nesse mundo de maneira histórica e contemporânea. Todavia, não consigo crer no que estão fazendo por aí em nome de Deus. Não consigo crer nessa proliferação de milagres que podem ser alcançados por um valor monetário, pela oferta certa; definitivamente não creio que comportamentos esquizofrênicos tenham algo a ver com a manifestação de Deus; nem mesmo, posso crer que seja necessário silenciar a razão e se tornar um ignorante para se ter acesso ao Eterno; não creio em magia, não creio em mandingas e em bruxaria, não creio que uma pessoa saudável possa ter medo de passar debaixo de uma escada, ou fique preocupada com a sexta-feira treze que se aproxima.

Chego ainda à conclusão que também não estou disposto a crer em tudo o que é prescrito pelo mito da ciência. Há aqueles que se agarram à concepção de progresso contínuo e melhora do mundo, unicamente, decorrente do desenvolvimento tecnológico e científico. A verdade é que a ciência, como muitos a designam, não existe, ela é um mito para explicar a ótica e moralidade de nossa sociedade materialista. No máximo o que existe, são pessoas se aplicando a conhecer um fragmento daquilo que chamamos de universo sob a regência de regras específicas que foram convencionadas. Assim, creio em algumas colocações e propostas ditas científicas, bem como, fico feliz com o desenvolvimento técnico e com as melhorias sociais produzidas pelos cientistas. Mas não acredito que laboratórios possam produzir verdades e, também, não estou disposto a me submeter ao sacerdócio dos doutores. Na minha consideração, concordando com o filósofo da ciência Carl Popper, toda ciência é fruto do desejo do cientista, ele elege e elimina variáveis no intuito de produzir uma conclusão específica.

Por essa razão, por causa desse meu ceticismo cheio de fé, tanto sou olhado com certa desconfiança por aqueles que têm uma fé imensa em tudo, como também por aqueles que descrêem de tudo que não pode ser verificado pelas rígidas leis da ciência positivista. Porém, insisto em manter essa postura, mesmo que, para maioria das pessoas eu seja um inadequado por não poder ser enquadrado em nenhuma categoria.

Com o tempo também parei de tentar convencer as pessoas do meu ponto de vista por meio de argumentos e debates. Hoje, simplesmente, compartilho o meu encantamento com a Revelação de Deus e com as minhas descobertas e conclusões existenciais. Alguns podem crer em minhas palavras, outros, com certeza, a rejeitarão, mas eu estou em paz.

Roberto Montechiari Werneck

Além da Solidão



“Ah quanta melancolia!
Quanta, quanta solidão!
Aquela alma, que vazia,
Que sinto inútil e fria
Dentro do meu coração!”
(Fernando Pessoa)

A solidão, a solidão... é um mar imenso, um soletrar sem eco nos vales de nosso trânsito neste mundo. Não a invocamos, mas em algum momento da vida ela se apresenta irredutível, indomável. Quando criança, é o berço escuro distante do colo e seio materno. Quando adultos, ela é a face inexorável diante do espelho embaçado do banheiro. Ela apenas é, quando de fato nos enxergamos como realmente somos, quando encontramos nossa real identidade, quando retiramos todas as fantasias e vemos o grande “eu existo”.

A solidão se mostra como o fato mais peculiar da história humana no cosmos, pois ela é simplesmente o reconhecimento de que seguimos, inalienavelmente, cada um o seu próprio caminho, sua própria história. E nesse caminho, nessa história, sempre ali adiante haverá uma bifurcação, uma escolha, que nos separará de alguém e nos aproximará ainda mais dessa nossa realidade existencial. Talvez, seja esse o grande trauma da morte, saber-se só. Esquivamos-nos dessa percepção, nos misturamos às massas de gente, elaboramos festas, vamos aos shows, fazemos os nossos rituais religiosos no intuito de minimizar essa falta, essa carência que somos. Pois somos apenas isso, nós mesmos na primeira pessoa do singular.

Mas a solidão pode se transformar numa busca. Encontrar-se com ela é receber o impulso que nos leva a procurar o próximo. Ela nos mostra que o grande “eu existo” é apenas um fragmento da existência total que inclui o outro e o grande Outro. Somente a dor da solidão essencial é que possibilita o reconhecimento que a vida que levamos é pouca, perto daquela que poderíamos ter.
Assim, quando ouvimos: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso” é que entendemos que a nossa busca foi concluída. Sartre disse que o inferno eram os outros. Mas Cristo afirma que não há paraíso na solidão. Céu é estar com Ele, e, também, é estar com pessoas humanas em um processo de des-solidão. Já é céu para aqueles que têm o seu ser misturado à divina presença e em um envolvimento de amor com os outros. A solidão, como condição essencial e existencial, só encontra a sua extinção em nós quando o próprio Deus, o grande Outro, em Cristo, faz morada em nosso ser e transforma nossa natureza para estarmos em unidade com o próximo. Nesse ato de Deus, somos recriados, os laços de proximidade são refeitos e o contato com o eterno se eterniza.

Fernando Pessoa poetizou sua solidão e enxergou-a cada dia maior e definitiva, ele escreveu: “Uma maior solidão / Lentamente se aproxima / Do meu triste coração”. Essa é a constatação poética da existência solitária que se encontra agonizante. Mas é possível ainda ouvir as palavras de Jesus que dizem: “Hoje mesmo estarás comigo no paraíso”.

Roberto Montechiari Werneck