terça-feira, 27 de janeiro de 2009

A Face no Espelho


De repente vejo no espelho uma face que não costumava ser minha. Os olhos trazem, ainda, a vaga lembrança dos sonhos de menino, mas os vincos que começam a surgir no meu rosto são os sinais de uma história que não consigo rememorar por completo. Sei que sou eu, mas também sei que este novo eu que vai surgindo nas passadas do tempo, não carrega mais consigo as ilusões da onipotência, as vaidades da inocência e as certezas do amanhã.

Vou me descobrindo mais denso, mais prolixo, mais pesado. As histórias das quais consigo me lembrar são contadas, novamente e novamente, e começo a perceber que são poucos os que estão dispostos a me ouvir. Assim, vou desaprendendo a falar, e calado, começo a escutar os rumores de minha alma, de minha consciência. Nos sertões de meu coração descubro a solidão da vida. Sou somente eu e mais ninguém diante do espelho das águas de meu tempo, sou eu desnudo diante da experiência de viver, responsável pelos caminhos que ousei tomar.

Os meus movimentos se tornam, gradualmente, mais lentos e temerosos. Preciso pisar em terra firme e caminhar em terreno plano. Não há mais a disposição de cultivar mentiras, crer em falácias ou agir com hipocrisia. O tempo não mente e me diz que tenho pouco tempo para ser, agir e ver claramente. Por essa razão, quero gente de verdade ao meu lado, gente que deixou de se iludir, de fingir e que não tem medo de ser no ridículo do ser.

Continuo olhando no espelho e sou capaz de enxergar o que ainda não é, um mundo ainda irrefletido e um rumo para onde sigo. Sei que as cicatrizes em minha tez irão se aprofundar, que os fios de prata brotarão gradualmente e coroarão minhas idéias, que os meus olhos se escurecerão e que meu corpo será atraído para a terra. Mas também sei que voltarei para a casa do Pai, retornarei para os braços de meu Criador. Lá encontrarei uma festa e a velhice do meu ser será infância diante eternidade que me aguarda.

Certo é que há entre mim e a juventude um abismo que não pode ser transposto, e certo é também que não quero voltar a ser o que fui. Desejo seguir adiante e experimentar intensamente as transformações da minha existência e, dia-a-dia, me tornar grato por ter chegado onde cheguei.

Que a minha velhice seja sem rancores, que ela seja sem lamentos pela juventude que se foi, sem ressentimentos para com aquilo que a vida me concedeu.
Seja a minha velhice um louvor ao Deus que me agraciou com uma história tão singular.

Roberto Montechiari Werneck

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