terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Lembranças

“Cobarde, realmente cobarde é apenas quem teme as próprias lembranças”.
(Escritor Elias Canetti)
De vez em quando, inesperadamente, sou surpreendido pela visita de uma lembrança. Algumas delas trazem consigo uma alegria singela e um sorriso gostoso que eu coloco no rosto. Outras trazem uma angústia dolorida que abate a minha alma ou me envergonha, e faz do meu corpo um peso que não posso carregar. Certo é que essas lembranças não são convidadas a comparecer em minha consciência, elas apenas surgem como que evocadas por algum feitiço da realidade e, por fim, despertam sentimentos e desejos.

Reconhecendo isso, tomei uma decisão definitiva. Só vou receber, acolher e alimentar as lembranças que me fazem feliz, aquelas que têm o poder de me fazer sorrir e experimentar paz. Não tenho como impedir que as outras, as tristes e amargas, surjam à porta de minha memória, mas não darei a elas lugar para pousar, espaço ou ocasião para existirem mais em mim. As mandarei embora, saberei delas, mas elas não serão mais minhas, as perdoarei e elas seguirão o caminho do esquecimento.

As boas lembranças terão em minha vida uma mesa farta, as convidarei a retornar sempre. O convite a elas serão afixados nos momentos do meu cotidiano, nos gestos de carinho destinados ao meu filho, nos abraços apertados dados nos irmãos e amigos, na conversa gostosa de final de tarde vendo o sol se pôr. Pois, minhas lembranças serão o meu hoje honesto e cheio de graça, serão o meu hoje cheio da presença do próprio Deus que é o sumo bem.

Agora, portanto, vou pensar em tudo o que é correto e viver de maneira digna; vou refletir sobre tudo o que é verdadeiro e agirei sem fingimentos ou dissimulações, irei mostrar a minha cara como ela é; vou matutar em tudo o que é justo e deixarei as parcialidades e as ações censuráveis; vou levar em consideração tudo o que é amável e farei de minha caminhada existencial uma trilha de bondade e alegria.

As minhas lembranças serão, despretenciosamente, o parto da esperança do bem que foi gestado nas singularidades do meu dia-a-dia.

Roberto Montechiari Werneck

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