quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

O Outro


Como é por dentro outra pessoa / Quem é que o saberá sonhar? / A alma de outrem é outro universo / Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. / Nada sabemos da alma / Senão da nossa; / As dos outros são olhares, / São gestos, são palavras, / Com a suposição de qualquer semelhança / No fundo.
Fernando Pessoa

O outro não sou eu, não é meu e não pode ser enquadrado, a priori, às definições e experiências conhecidas. Ele é, na verdade, um universo diferenciado, cheio de histórias, informações e experiências que não tive, é alguém a ser conhecido, ele é o que eu ainda não sei. Ter isso em mente, me capacita sempre a dedicar tempo no intuito de perceber as singularidades dessa nova realidade que se apresenta e a qual eu chamo de outro, de meu próximo. Creio que a única postura correta diante daquilo que eu ainda não conheço seja a aproximação tolerante e curiosa. E nesta aproximação, preciso estar disposto a me espantar, a me admirar, sem que, necessariamente, isso seja uma experiência ruim.

O outro não é uma ameaça, uma desgraça, uma agressão. Pode vir a se tornar, a posteriori, um perigo, pode agir em determinado momento agressivamente, mas não tenho como reduzi-lo à iminência de uma agressão, simplesmente por ser o outro desconhecido, ou mesmo, olhá-lo como a proximidade de uma violência antes de conhecê-lo. Há um conto de Rubem Fonseca, intitulado O Outro, no qual o contato de um executivo com um pedinte se transforma em uma ameaça pessoal, não porque o executivo estivesse sendo realmente ameaçado, mas porque o outro estereotipado, e não visto realmente, se apresentava como uma ameaça em si, simplesmente por ser o outro. Reconhecendo isso, sou levado a reavaliar meus hábitos defensivos e a me desfazer de algumas posturas para estar com a novidade que é a presença de um alguém até então não inserido à minha realidade de vida.

O outro não é um evento, ou mesmo, uma experiência de satisfação. Ter contato com ele pode ser satisfatório e os momentos em que desfruto de sua presença podem me trazer alegria, mas ele não está obrigado a atender todas as minhas expectativas e a fazer com que a minha existência tenha as marcas de um grande acontecimento. Entender isso me ajuda a lidar com as pessoas sem depositar sobre elas a responsabilidade de se tornarem o sentido de minha existência. Retirá-las do pedestal e entendê-las humanas, sempre possibilitará que o contato seja isento de grandes frustrações e angústias. Mas, além disso, entender o outro como humano permitirá que haja um relacionamento e não somente um contato momentâneo que resulta em contentamento pessoal.

Penso que essa realidade também se aplica ao Grande Outro. Muitas vezes as pessoas resumem Deus ao que podem enxergar ou compreender. Ele é para alguns, aquilo que pensam a Seu respeito e estas conclusões decorrem das suas parcas experiências com Ele. Outros o vêem como uma agressão ao seu estilo de vida e conceitos, a Sua proximidade é uma ameaça e desta forma se mantém distantes de Sua presença e influência. Há aqueles para os quais Deus é um parque de diversões ou, simplesmente, um evento, uma experiência de satisfação e quando não alcançam o que desejam se sentem decepcionadas.

Considere que, sendo Deus o Grande Outro, o meu contato com Ele sempre será uma grande surpresa. Para me aproximar Dele terei que me desfazer de todas as minhas resistências e conceitos, vou precisar entender que Ele é muito mais que um evento que acontece num domingo à noite ou o carro novo que comprei.

Roberto Montechiari Werneck

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